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Crítica
28/09/2001 - 04h16

Personagem do filme "Os Amantes" perde a vida por polidez

TIAGO MATA MACHADO
da Folha de S.Paulo

"Por polidez , perdi minha vida": assim como Rimbaud, o autor do verso, a personagem de Jeanne Moreau em "Os Amantes", a verdadeira "Madame Bovary" da nouvelle vague francesa, trocou a "politesse" pelo desconhecido e ganhou a vida.

Quando lançado no Brasil, nos anos 60, "Os Amantes" (1958) foi alvo de um processo criminal da Confederação de Famílias Cristãs. A censura gerou polêmica e mobilizou a imprensa, levando o crítico Paulo Emílio Salles Gomes a escrever uma série de artigos desancando a atitude da confederação. Para destruir o argumento da censura, Paulo Emílio demonstrava, em uma análise sucinta da obra-prima de Louis Malle, que o problema da protagonista não era tanto sexual, mas social.

O problema era a "politesse" francesa. Código de boa educação que chegou a ser a mais alta expressão do estilo de vida da aristocracia francesa do século 18, a "politesse" tornara-se sinônimo de inautenticidade e afetação à medida que ia sendo apropriada pela burguesia.

Sufocada por toda a falsa polidez de sua vida burguesa, a heroína de Malle tomou a atitude que todos julgaram surpreendente.

Paulo Emílio podia não se dar conta, mas ele filiava assim a "Bovary" de Malle aos filmes de Renoir, especialmente "A Regra do Jogo". Pois, se na primeira parte de "Os Amantes", com o auxílio da escritora Louise de Vilmorin e sob o signo de seu casamento com Moreau, Malle detinha-se friamente, ao estilo Flaubert, sobre os hábitos burgueses que faziam o dia-a-dia de sua protagonista, na segunda, à maneira de Renoir, ele fazia a personagem abandonar todos os papéis sociais que experimentara, o de esposa e o de amante, o de mãe e o de amiga, em nome do devir da vida.

Em Renoir, a imagem que melhor representa esse devir é o fluxo das águas de um rio. O fluxo de "Boudu Salvo das Águas" e de "Une Partie de Campagne". Os personagens de Malle, como os de Renoir, deixam-se levar pelo fluxo da vida num barco à deriva no rio. Essa passagem do filme, inesquecível, é daqueles belos "movimentos de mundo" que Malle sabia criar: não são os personagens que se movem aqui, mas toda a natureza que parece conspirar a favor dos enamorados, tomando para si o movimento deles.

O grande legado que a geração nouvelle vague herda de Renoir é esse devir que elege o amor com toda a sua vitalidade e amoralidade. A insensatez do amor é a fonte de todos aqueles atos injustificáveis que marcam os primeiros filmes da nouvelle vague. Nesse sentido, a verdadeira influência literária da geração não era nem Flaubert nem Balzac, mas André Gide e seu inusitado conceito de "ato gratuito".

O "ato gratuito" não é pautado por preceitos éticos ou morais. É um ato estético-hedonista pelo qual o indivíduo afirma sua liberdade sem se prender, como na perspectiva existencialista, a um projeto de humanidade, a um compromisso. O ato é como o riso de Moreau diante do marido e do amante: vida que irrompe, barbaramente, em sociedade, afirmando sua liberação do escrúpulo. Um ato sem motivo nem fim. Uma impossibilidade psicológica, dirão alguns. Mas é preciso entender a liberdade dos personagens da nouvelle vague como uma reação aos estereótipos psicológicos do cinema clássico e, especialmente, àquela espécie de "politesse", que fazia a impostura da tradição do realismo psicológico do cinema francês.

 Serviço

Os Amantes
Les Amants

Com: Jeanne Moreau, Alain Cuny
Direção: Louis Malle
Produção: França, 1958
Quando: a partir de hoje no Top Cine



   
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