17/10/2001
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11h14
Diretor surpreende a atrocidade no amor em "A Professora de Piano"
TIAGO MATA MACHADO da Folha de S.Paulo
A banalização do atroz e a enfermidade de Eros (a quase-morte do amor): o tempo só fez conferir mais urgência a esses dois temas caros à visão crítica que os cineastas dos anos 60 reservavam à sociedade moderna.
Se o austríaco Michael Haneke é hoje o grande "cineasta da crueldade", é porque, legítimo herdeiro dessa perspectiva, coube a ele fazer o diagnóstico definitivo.
Com seu dom de sintomatologista, Haneke evidencia uma civilização moribunda. Em "Código Desconhecido" (2000), seu filme anterior, o atroz estava por todo o lado, mas era antes uma ameaça exterior aos personagens: as brigas e o assassinato no apartamento vizinho, a guerra e os mortos no país vizinho.
Neste "A Professora de Piano", já não se trata apenas de constatar que o atroz se tornou um simples fato social. Ele agora se encontra instalado no interior das personagens, contagioso como se fosse um vírus.
Isabelle Huppert é a professora de piano que humilha, reprime e estraga os alunos. Nunca se deixar ultrapassar por um deles: eis um dos poucos conselhos maternos que ela toma a sério. Partindo de um romance de Elfriede Jelinek, Haneke detém-se, a princípio, no lado mesquinho da docência e da carreira musicais. Ao escolher um ambiente assim, aparentemente culto e refinado, o cineasta evita o preconceito de classe comum a Claude Chabrol, um especialista no tema de Haneke.
De "Les Bonnes Femmes" (1959) a "La Cérémonie" (1995), em que Huppert interpretava uma empregada, Chabrol sempre pareceu preocupado em isentar a sua classe, mas, como Haneke constata aqui, na "civilização do clichê" nem mesmo os ditos "espíritos cultivados" estão a salvo do vexame.
Por outro lado, se o cineasta austríaco chega enfim à sua obra-prima, é, em boa medida, por levar até o limite a velha faceta de heroína chabroliana da imperturbável Huppert.
Falsa moralista, sua personagem recalca, por trás do discurso puritano e culto, um imaginário composto pelas mais sórdidas cenas dos filmes pornôs.
Se, em "Funny Games" (1997), Haneke associava a crueldade de seus personagens ao esquema e à violência dos thrillers televisivos, aqui ele associa a incapacidade de amar da protagonista à proliferação dos clichês pornográficos. "A Professora de Piano" é um filme sobre a rigidez. É no amor que Haneke surpreende, aqui, o atroz.
Pais que mimam e exploram, por toda uma vida, o talento musical dos filhos, professores que invejam e destroem o virtuosismo dos alunos: os sintomas da enfermidade de Eros estão em todas as relações doentias. O diagnóstico de Haneke surge na carta que Huppert escreve ao aluno apaixonado, quando a confusão entre amor e sacanagem se torna patente.
Tal como em "Funny Games", o cineasta denuncia a ação nefasta dos clichês televisivos no imaginário das pessoas antes de responder com uma longa sequência sobre a dor e a sua concretude. Eis a lição que, em "A Professora de Piano", é dada pelo aluno.
A Professora de Piano Direção: Michael Haneke Produção: Áustria/França, 2001 Com: Isabelle Huppert, Benoît Magimel Quando:sexta (dia 19), às 21h30, no Cinemark Market Place; sábado (dia 20), às 24h, no Unibanco Arteplex 2; domingo (dia 21), às 15h50, no Espaço Unibanco 1; e na quarta (dia 31), às 21h20, na Sala UOL de Cinema
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