19/10/2001
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08h55
Moretti evoca todos os sentimentos do mundo em "O Quarto do Filho"
INÁCIO ARAUJO crítico da Folha
Mesmo para quem não acompanha a carreira de Nanni Moretti, "O Quarto do Filho" constitui uma surpresa. Os primeiros minutos do filme resumem o que tem sido a carreira recente do italiano.
Giovanni é um psicanalista feliz, com uma família feliz, que escuta os dramáticos relatos de seus pacientes com distância profissional e, caso dê um conselho, é mais ou menos o que encontramos em seus filmes. É o seu procedimento: manter-se aberto ao mundo, deixar as antenas ligadas, permitir que as coisas cheguem a nós.
É uma receita de humor: o pasmo, a descoberta, a aventura estão implícitos nela. Suspende-se o juízo para que os olhos (e os sentidos em geral) possam trabalhar, absorver as coisas tal qual são.
Eis que essa existência idílica é atingida por uma tragédia: a morte acidental do filho. É difícil conceber dor humana maior. A vida da família transforma-se subitamente. Como estar aberto às coisas, se elas parecem já não fazer sentido? Se falta um lugar à mesa?
Moretti transita da comédia ao melodrama sem intermediários. Ou antes: o único intermediário é a própria psicanálise, pois, para Giovanni, coloca-se de imediato a questão de como tratar seus pacientes, se sua cabeça está em outro lugar? A psicanálise é a ciência mais atacada desde o fim do século 20. Contra ela move-se uma verdadeira guerra biológica, com pílulas dos mais variados tipos dispondo-se a varrer o inconsciente para debaixo do tapete.
Que sentido tem, pergunta-se, um tratamento longo, caro, desgastante, que coloca o paciente em confronto com a sociedade, quando pílulas prometem solução rápida e rasteira para os problemas e pleno ajuste a uma sociedade que cada vez menos precisa de dissidências de qualquer tipo?
Essa questão permeia "O Quarto do Filho", pois a dor e o luto se impõem com tal violência que nada parece aliviar o sofrimento familiar, a não ser o tempo, a sucessão de acontecimentos que, aos poucos, nos leva a prosseguir na vida, não esquecendo, mas dando um lugar ao ente perdido.
O cinema de Moretti adquire uma gravidade até aqui insuspeitada, pois afirma a vida para além de qualquer ciência humana (embora deixe uma porta aberta à psicanálise). Ao mesmo tempo em que convoca todos os sentimentos do mundo, este filme não configura uma traição aos anteriores. Se "Caro Diário" era um diário bem-humorado; se "Aprile" cruzava o momento político italiano com o nascimento de um filho, "O Quarto do Filho" inverte os dados, mas não os distorce.
Até aqui havia um autor sujeito de seus filmes, como que a dominar e contemplar o espetáculo do mundo. Agora o mundo se abate sobre esse autor, atinge-o, frustra-o de modo irreparável. No entanto, esse mundo está lá, e é como se Moretti nos lembrasse de que a dor, a perda, a morte fazem parte dele tanto quanto o riso: ambos sugerem diálogo, postura, vontade de sobrevivência, de superação.
Não, claro, a superação proposta pelo mundo da competição em que se vive, mas essa superação que consiste em voltar a si mesmo, em conhecer a si mesmo para conhecer as coisas fora da ciranda de idéias feitas.
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O Quarto do Filho (La Stanza del Figlio) Direção: Nanni Moretti Produção: Itália, 2000 Com: Nanni Moretti e Laura Morante Quando: hoje, às 22h15, no Unibanco Arteplex; amanhã, às 21h40, no Espaço Unibanco; e domingo, às 15h35, no Cinearte
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