26/10/2001
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04h05
Tanovic faz ficção antibélica no front no filme "Terra de Ninguém"
da Folha de S.Paulo
O cineasta alemão Marcel Ophuls (filho do mestre Max Ophuls) e o filósofo francês Bernard-Henri Lévy arriscaram suas cabeças em Sarajevo para realizar seus respectivos documentários sobre a Guerra da Bósnia, "Veillées d'Armes" e "Bosna", ambos de 1994. Jean-Luc Godard não chegou a tanto. Preferiu fazer, em "Para Sempre Mozart" (1998), seu "petit théâtre" em torno da guerra, à distância.
Esses filmes eram de cineastas europeus preocupados com a situação na região vizinha e, até certo ponto, impossibilitados de compreender toda a complexidade do conflito nos Bálcãs. Resultam, em certa medida, da consciência pesada de uma Europa que, por muito tempo, primou pela omissão.
"Terra de Ninguém", ao contrário, é o trabalho de alguém que esteve no cerne dos acontecimentos, mas não quer tanto dar conta da complexidade da guerra quanto superá-la. Bósnio, Tanovic esteve no front de batalha, fazendo de sua câmera uma arma a serviço de seu povo. Mas essas imagens documentais ele deixou de lado, junto com os traumas da guerra, para se dedicar a uma ficção antibélica, em nome da paz.
Seu primeiro mérito foi ter feito do filme uma grande co-produção européia, formando uma equipe composta por bósnios, franceses, italianos, belgas e ingleses -co-produção, ao que parece, selada no Brasil, durante a 23ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Seu segundo e maior mérito está no roteiro. A idéia de Tanovic foi criar uma situação que sintetizasse todo o absurdo da guerra. Um grupo de soldados bósnios é surpreendido, com a dissipação da névoa matinal, por uma tropa sérvia.
A troca de tiros acaba por colocar, lado a lado, numa trincheira abandonada, um bósnio ferido e um sérvio rendido. Um terceiro, bósnio, acorda deitado sobre uma mina colocada ardilosamente pelos sérvios. Se ele se mexer, todos vão para o ar.
À espera do comboio da ONU que deve passar para recolher os feridos na frente de batalha, os soldados aprofundam-se, inutilmente, numa discussão.
A situação é fulleriana, na medida em que trabalha a exaustão dos personagens no entreato de uma guerra. Tal como Fuller, outro veterano dos fronts, Danis Tanovic sabe que os piores momentos de uma guerra são os tempos de espera.
A crítica de seu filme vai, sobretudo, para a ONU. Aqui, tal como na guerra em geral, a organização não sabe se interfere ou não. Neutralidade em meio ao extermínio: a situação do comboio da ONU vale, nesse sentido, para toda a Europa.
A imprensa, outra personagem importante dessa guerra, também tem o seu papel no filme. Um papel dúbio: ao mesmo tempo em que ajuda a pressionar a ONU a interferir, superexplora o "drama de guerra".
Tanovic levou o prêmio de melhor roteiro em Cannes, mas a verdadeira recompensa para o cineasta foi o fato de seu filme ter sido premiado tanto na Sérvia quanto na Croácia e na Bósnia. Unanimidade que é sinal de paz. A imagem que o diretor nos lega ao final de seu filme, no entanto, é bem mais desoladora. (TIAGO MATA MACHADO)
Terra de Ninguém No Man's Land Direção: Danis Tanovic Produção: Eslovênia/Bélgica/França/ Itália/Inglaterra, 2000 Com: Branko Djuric, Rene Bitorajac Quando: hoje, às 22h05, no Unibanco Arteplex; domingo, às 16h15, na Sala UOL; e dia 30, às 21h30, na Sala Cinemateca
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