29/10/2001
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15h26
Longa de diretora dinamarquesa mostra Dogma 95 desgastado
JOSÉ GERALDO COUTO da Folha de S.Paulo
Para os povos nórdicos, a Itália sempre foi vista como uma espécie de reserva de afetividade, calor humano e espontaneidade. Essa idéia é retomada em "Italiano para Principiantes", da dinamarquesa Lone Scherfig.
Num vilarejo modorrento no interior da Dinamarca, acompanhamos os pequenos dramas e comédias de um punhado de personagens: Andreas, o novo pastor da paróquia local; Karen, a cabeleireira; Olympia, a empregada da confeitaria; Jorgen, o recepcionista do hotel; Halvfinn, o garçom da lanchonete e ex-jogador de futebol; e, por fim, a cozinheira italiana Giulia.
Cada um desses personagens tem uma fraqueza e, em decorrência, uma insegurança. Jorgen acredita ter ficado impotente por causa de um acidente; Andreas não sabe muito bem como orientar seu rebanho espiritual; Olympia não consegue dar dois passos sem tropeçar em alguma coisa.
Além disso -ou por causa disso-, são todos solitários e um tanto infelizes. Com exceção de Giulia, todos já passaram dos 30 e sentem que a vida, de algum modo, está escapando pelo ralo.
Até que, por obra e graça das aulas de italiano oferecidas pelo conselho comunitário local, começam a encontrar uns aos outros e a si próprios. Tudo passa a se encaixar. Casais se formam, duas das mulheres descobrem que são irmãs, outra ganha uma herança, todos vão passear em Veneza.
Como num conto de fadas, o que era cinza se enche de luz e calor, e a platéia sai do cinema mais leve. Nada de inquietação, de arestas, de pontos sem nó.
Poderia ser um filme hollywoodiano, do tipo "Playing by Heart", em que personagens simpáticos sofrem e se desencontram por um par de horas até encontrar um final feliz, representado invariavelmente pelo casamento e pelo dinheiro.
A diferença é que, antes de se iniciar essa historinha edificante, vemos na tela um diploma certificando que a fita a seguir faz parte do Dogma 95, aquele movimento que começou com obras radicais e inquietantes como "Os Idiotas" e "Festa de Família".
Mas o que restou do Dogma em "Italiano para Principiantes"? A câmera tremida, alguns enquadramentos desleixados, a modéstia cenográfica, uma montagem um tanto áspera. E só.
Se os primeiros filmes do movimento se desvestiam do aparato anestesiante do cinema hollywoodiano para revelar de modo cru o mal-estar da civilização contemporânea, o agridoce dramazinho de Lone Scherfig caminha no sentido oposto.
Em vez dos socos no estômago desferidos por Lars von Trier e Thomas Vinterberg, "Italiano para Principiantes" passa consoladoramente a mão na cabeça do espectador.
É como se dissesse: veja, nós somos desajeitados e desafinados, mas também temos coração e bons sentimentos.
O filme ganhou o Urso de Prata em Berlim e é provável que faça sucesso entre os espectadores cansados de ter de encarar a feiúra do mundo. Para esses, um final à la novela das oito, com direito a casamentos, herança inesperada e passeio em Veneza, é o melhor que o cinema pode oferecer.
Para quem espera um pouco mais de uma cinematografia que já produziu Carl Dreyer e Lars von Trier, o filme de Lone Scherfig é apenas a prova de que o Dogma 95 virou um rótulo vazio e sem sentido.
Italiano para Principiantes Direção: Lone Scherfig Produção: Dinamarca, 2000 Com: Anders W. Berthelsen, Annette Stovelbaek Quando: hoje, às 15h25, no Cineclube DirecTV (r. Augusta, 2.530, Cerqueira César, tel. 3085-7684)
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