23/11/2001
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04h25
Cinema: Faltam momentos mágicos a "Harry Potter"
INÁCIO ARAUJO
crítico da Folha
 Filmes mágicos nem sempre versam sobre magia. São aqueles que encantam uma geração (ou mais) de jovens, como "O Mágico de Oz", nos anos 30, "Os Dez Mandamentos" ou "Ben Hur", nos 50, "E.T.", nos 80.
"Harry Potter e a Pedra Filosofal" era um candidato natural a entrar nessa galeria, a começar por ter em sua origem um tremendo best-seller literário e por sua autora ter tomado providências para que seu trabalho não fosse desfigurado no cinema.
Era candidato também por conta da história que diz respeito a um grupo de aprendizes, numa escola inglesa para jovens bruxos. Estamos no terreno da chamada "evasão", o filme que nos faz esquecer das agruras da vida e nos projeta num mundo cheio de possibilidades (na certa, o inverso desse que estamos vivendo).
Tudo isso, mais a produção diligente e a vasta publicidade, garante o que "Harry Potter" é: um sucesso antes de seu lançamento.
Por duas ou três razões, no entanto, é improvável que consiga preencher com a intensidade dos filmes citados acima o imaginário da garotada de hoje.
A primeira delas é que não se trata de um filme com alguns momentos mágicos, mas em que o extraordinário está presente quase todo o tempo.
Jovens bruxos entram pela parede, montam em suas vassouras, levantam plumas com suas varinhas etc.. Tudo isso requer o uso maciço de efeitos especiais e, ainda que quase nunca nos decepcionem, o fato é que hoje os efeitos viraram meio carne de vaca: depois de ver os dinossauros de Spielberg, digamos, ninguém se espantará com bruxos atravessando paredes.
E o espanto é a base para que filmes marquem nosso imaginário. Todos sabemos vendo "Os Dez Mandamentos", de 1956, que Moisés vai abrir o mar Vermelho, a horas tantas. Ainda assim, existe algo de maravilhoso, de inusitado naquilo, porque era raro, não se via algo assim a cada esquina. Mas, sobretudo, porque a magia de Moisés (ou de Deus) corresponde ao momento mais emocional da narrativa, e esse momento é cuidadosamente construído.
Vendo "Harry Potter", nos perguntamos qual é esse grande momento. Não há. À força de ser onipresente, a magia vira um aspecto quase burocrático da narrativa.
O segundo aspecto diz respeito à música choramingas de John Williams,
que entope o filme de sentimentalismo, em particular no final, quando se dá um congraçamento dos alunos em torno da vitória de um grupo de alunos sobre outro, o que torna evidente a opção de "Harry Potter" pela segurança, e não pelos riscos da bruxaria.
Por fim, o roteiro de Steve Kloves não tem foco. Não sabemos, ao final, se o centro da trama diz respeito ao esforço dos três jovens bruxos para que a pedra filosofal não caia em mãos erradas, ao enfrentamento entre Harry e o vilanesco professor Snape, à oposição entre Harry e Drago, jovem bruxo rival, ou ainda a um tipo de gincana envolvendo as várias casas em que se divide o colégio.
Na dúvida, optou-se por tudo isso ao mesmo tempo, o que gera falsas pistas e introduz dúvidas (deixadas em aberto) sobre a função de vários personagens.
Assim, não é de espantar que a parte mais intensa do filme seja o início, quando Harry vive com seus tutores imbecis, e que a ela sigam-se momentos de enfado.
Por fim, o que há de mais mágico no filme é o que dispensa efeitos: direção de arte e fotografia criam uma bela ambientação, e o elenco é adequado -o infantil e o adulto. No conjunto, assiste-se a "Harry Potter" sem desprazer. Mas é bem pouco provável que seja esse o filme inesquecível de uma geração.
Harry Potter e a Pedra Filosofal
Harry Potter and the Philosopher's Stone
Direção: Chris Columbus
Produção: Reino Unido/EUA, 2001
Com: Daniel Radcliffe, Emma Watson
Quando: a partir de hoje nos cines Belas Artes, Interlagos, Paulista e circuito
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