16/05/2001
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04h18
Livro: A "Era Dourada" não convence
JOSÉ ARBEX JR. da Folha de S.Paulo
Com "A Era Dourada", Gore Vidal encerra a série de sete "romances históricos" que pretendem ser uma "biografia dos Estados Unidos". O primeiro volume, "Washington", escrito em 1967, foi seguido de "Burr", "Lincoln", "1876", "Império" e "Hollywood".
Vidal mantém seu famoso fio condutor analítico: a "vocação imperial" da Casa Branca sufoca a república; o autoritarismo da elite liquida a democracia. O novo romance, que abarca o período de 1939 a 1952, tem como pano de fundo o fim da Grande Depressão, a Segunda Guerra, o lançamento da bomba A, o anticomunismo macartista e a Guerra da Coréia. No final, dá um grande salto à passagem do século.
Os personagens fictícios centrais de "A Era Dourada" também apareceram em outros romances da série, especialmente os membros da tradicional família Sanford. A novidade é que agora eles se relacionam com figuras históricas importantes do período, incluindo os presidentes Franklin Delano Roosevelt e sua mulher Eleanor, Harry Truman, o senador Thomas P. Gore (seu avô), o magnata da imprensa William Randoph Hearst, entre outros.
De fato, "A Era Dourada" retoma Washington (são, basicamente, os mesmos cenários e o mesmo período), mas com ênfase nos aspectos históricos, sociais e políticos. É aí que o livro decepciona.
Roosevelt, sem dúvida um dos grandes estadistas do século 20, não tem vida própria no romance, e menos ainda Truman e as outras figuras da vida política. Só Eleanor (por quem Vidal é confessadamente apaixonado) mostra algum vigor. Como o autor conviveu com a maioria deles, acaba reproduzindo uma série de pequenas fofocas e jogos de bastidores que testemunhou ou dos quais ouviu falar, mas que não são capazes de compor uma trama envolvente ou convincente.
Em alguns momentos, Vidal até mesmo resvala para um jargão de best seller (que ele, com toda razão, ironiza e critica em seus ensaios) a la Sidney Sheldon: "Caroline sempre gostara de Marion Davies, uma atriz loura que havia muito era amante de Hearst. Ela era gaga e tinha sérios problemas com a bebida, sendo o mais sério deles esconder as garrafas do olho alerta do Chefe (...)" (pág. 161).
A única interpretação "nova" da história (que de nova não tem nada) proposta por Gore é a idéia de que Roosevelt teria permitido, ou até incentivado, o ataque japonês a Pearl Harbor, para justificar a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra. Narra inclusive uma conversa sobre isso, da qual teria participado seu avô senador:
"Em nosso quartel-general, na Dezoito com a Constitution, há vários escritórios secretos. Alguns, supostamente, de acesso altamente restrito. Mas como estamos em Washington, sempre há muitos vazamentos.
Em outubro passado, um desses jovens demônios espertos [jovens oficiais] apareceu com um plano de oito pontos, cuidadosamente elaborado para forçar o Japão, da maneira mais plausível, a nos atacar".
Cético, como sempre, quanto ao futuro do país, Vidal pergunta se, de fato, os Estados Unidos foram um dia uma democracia. "Peter ficou imaginando o que seria um povo livre. Será que os americanos, alguma vez, já haviam se visto livres de uma classe governante que frequentemente agia contra o governo da maioria, que, supostamente, devia ser a fonte de toda a legitimidade política (...). A minoria sempre tinha razão; e a maioria sempre tinha que seguir a liderança da minoria" (pág. 340).
Não é preciso ir longe para dar razão a Vidal quanto ao prognóstico de que a arrogância imperial vai conduzir a América à mais profunda decadência política e cultural. É só comparar o atual presidente, George W. Bush, a Franklin Roosevelt. Basta.
A Era Dourada The Golden Age Autor: Gore Vidal Tradução: Paulo Reis Editora: Rocco Quanto: preço a definir (512 págs.)
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