Folha Online Ilustrada  
Crítica
14/09/2002 - 03h57

Compositor relata anos dourados em "O Diário de Antônio Maria"

MARCELO PEN
da Folha de S.Paulo

Ano de 1957. O Brasil, especialmente o Rio de Janeiro, vivia o que se convencionou chamar de seus anos dourados. Era também o auge do sucesso do compositor e cronista carioca Antônio Maria. Famoso por suas canções como "Ninguém me Ama", tinha duas colunas em "O Globo", escrevia esquetes de humor para a rádio Mayrink Veiga, gravava discos, fazia livros. Mas, para usar outra expressão de época, estava sempre na "fossa".

Essa é a sensação que temos ao ler as páginas inéditas de seu diário, escrito durante 39 dias, entre março e abril daquele ano. São dois cadernos escolares de 145 páginas cada, em que registrou suas dúvidas, brigas, bebedeiras, farras, lamúrias. Diz ele: "Hoje em dia é preciso viver-se dopado". Além das incontáveis doses de uísque e vodca, Maria se entupia de comprimidos de Dexedrina.

Bebia-se muito. Rubem Braga ("a amizade que mais prezo") surge quase sempre embriagado, assim como Paulo Mendes Campos. Boêmios, encontravam-se no Sacha's, a boate da moda, às vezes no Golden Room do Copacabana Palace. Maria descreve assim a turminha formada por deputados da UDN, uma envelhecida Lana Turner, Jorginho Guinle (que alardeia ter dormido com a atriz), Anita Ekberg ("uma enfermeiraça. Mesmo assim bela"): "Gente boba e vazia. Vaidosos, frívolos, ricos. Gosto, porém, de conhecê-los cada vez mais, para ver até onde chega sua organizadíssima miséria humana".

Noutra noite, no Sacha's, encontra Di Cavalcanti. O pintor voltava de uma "suruba" organizada por Oscar Niemeyer "aos arquitetos que vieram, da Europa, julgar o plano urbanístico de Brasília". Di contou dez mulheres nuas. Mulheres eram motivo para desavença. Vinicius, enciumado, uma vez chamou Maria para a briga. O cronista ficou magoado. Arrependido, o poeta escreve de Paris, buscando as pazes.

O escritor é cruel consigo mesmo. Descreve-se como "um senhor gordo, casado, pai e emocionável". Seus humorísticos não o convencem: "Não me acho engraçado". Páginas depois, decide que é um "cronista frívolo", "pertencente à pior safra do jornalismo brasileiro". Vive atolado em dívidas. Para consertar as finanças, grava um LP com suas músicas. Prepara um livro de crônicas que oferece a José Olympio. O editor propõe um adiantamento mísero, pouco mais da metade do preço de uma vitrola. Revolta: "José Olympio é um homem rico, gastador, joga fortunas nas corridas e no "poker", à custa dos escritores. [...] Não irá editar meu livro".

Na mesma noite em que jura economizar, termina no Sacha's. A casa noturna é seu porto (in)seguro. Relata ter dormido à sua porta, no canteiro, até as seis da matina. "Devo morrer cedo, de repente, por causa dos meus exageros", prenuncia o homem que seria fulminado por um ataque cardíaco ao 43 anos, em 1964.

São páginas trôpegas, sem rumo, mas cheias de vida e emoção. Maria procura "não escrever bonito", ou seja, com olhar num leitor hipotético, embora nem sempre consiga. Trata o diário como a um amante. Corteja-o ("somos cada vez mais íntimos"), desnuda-se ("isto aqui é minha vida [...] o que acontece dentro de mim"), apaixona-se ("em horas assim, me apaixono de ti, ó intimo amigo"). Foi uma relação fugaz. Acabou como começou, de inopino. Em seu brilho passageiro, porém, vislumbramos o lusco-fusco de uma era mais crepuscular que dourada, os últimos raios antes de um impendente anoitecer.

O Diário de Antônio Maria
Autor: Antônio Maria
Editora: Record
Quanto: R$ 20 (112 págs.)

   
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