Livraria da Folha

 
13/05/2010 - 14h46

Da costela de David Beckham, Deus fez o metrossexual, profetiza Xico Sá; leia trecho

da Livraria da Folha

"E da costela de David Beckham, Deus fez o metrossexual". A afirmativa pode soar estranha, mas é defendida pelo jornalista, escritor e colunista da Folha de S.Paulo Xico Sá, em seu novo livro "Chabadabadá" (Record, 2010), que chegará às livrarias nesta sexta-feira (14).

Divulgação
Em contos e crônicas, Xico tenta desvendar mistério das mulheres
Em contos e crônicas, Xico tenta desvendar mistério das mulheres

Logo na "Avertência do Autor", Xico atenta que o leitor pode se deparar com "vigarices semânticas, sinceridades do peito, dores de amor à Leonard Cohen ou à Waldick Soriano, confissões de mal-amadas, boleros, chabadabadás, orações aos moços, truques de falsos don Juans e outros subgêneros".

Os contos e crônicas são, na maioria, inéditos, mas há também textos editados anteriormente nas revistas da Folha, "Bravo!", "TPM", "Vogue Homem", "Continente" e nos jornais "Diário de Pernambuco", "Diário do Nordeste" e "O Tempo".

Os textos já publicados foram reescritos para compor o volume que incute "uma narração da agonia dos marmanjos e do fulgor, às vezes configurado em autoengano, da mulherada", segundo Xico.

No trecho abaixo, extraído do livro, Xico descreve o confronto entre o metrossexual e o chamado "macho-jurubeba", homens que não se rendem às "modernagens" do cotidiano.

*

Da peleja do metrossexual contra o macho-jurubeba

E da costela de David Beckham, Deus fez o metrossexual.

Essa nova espécie composta por rapazes sensíveis, chegados a uma roupa Armani, que decoram a casa na linha minimalismo ultramoderno e têm uma bancada de potinhos de cremes superior a qualquer mademoiselle, qualquer rapariga endinheirada... Superior, no quesito produtos de estética e beleza, até mesmo à mais vaidosa das balzacas...

Ou, como diz Michael Flocker, jornalista de Nova York que escreveu um guia sobre esses dândis do consumo, trata-se do homem do século XXI que estabelece tendências, homem heterossexual urbano com elevado senso estético, homem que ama um "bom vinho" (adora cheirar a rolha, sentir o bouquet etc.), dedica tempo e dinheiro às compras; homem, enfi m, disposto a assumir seu lado feminino no último.

Como diria Costinha, gênio e comediante das antigas, com a sua imoral bocarra: "Nooooosssa!"

Mas o certo é que passei essa resenha toda, sobre o novo tipo, para o meu amigo Dioclécio, sertanejo brabo do Pajeú, com quem troco nem sempre agradáveis confi dências sobre as viradas que o mundo deu e dará.

Típico macho-jurubeba, aquele que não se rende às modernagens, Dioclécio mandou que eu parasse logo nas primeiras palavras, tamanha a indignação. "Chega, compadre, que ouvir isso dá azar. Vade-retro, satanás de rabo!", resmungou ao telefone. E é porque eu nem contei que o Beckham, boleiro símbolo da nova turma, declarou que usava calcinhas da sua mulher. A dele, que fi que bem entendido.

Ora, o máximo a que Dioclécio se permite, e olhe lá, é um Leite de Colônia - nem Minâncora passava nas espinhas, na juventude, com medo de comprometer a macheza toda. Tão macho, mas tão macho que usa dois sabonetes no banho: um para a parte da frente e outro para o latifúndio dorsal. Acha que o simples ato de permitir que um sabonete trafegue entre o "pra-te-vai" e o "oiti" - como ele se refere ao pênis e ao ânus - é sinal claro de homossexualismo no inconsciente.

Começa assim" - salta o hiperbólico cinquentão -, depois, já sabe como é, tá matando e roubando para adquirir passagem de avião e desfilar na parada gay de São Paulo.

O homem blasfema, resmunga, engata muxoxos, pantins, lamúrias quase incompreensíveis no seu linguajar que parece uma mistura de árabe com nordestinês:

- Se o macho tá perdido, bote um anúncio no rádio, no programa do Vicelmo, lá no Crato, ou na
"Supermanhã" do Geraldo Freire, lá no Recife - pragueja. - Ou vá procurar você mesmo, que eu mesmo só corro atrás de bicho fêmea.

Mais revoltado ainda, Dioclécio me disse que vai escrever um cordel, com xilogravura encomendada ao amigo J. Borges: "A peleja do macho-jurubeba com o metrossexual". Claro que vai ser um massacre, sem direito de defesa, o que é pior. Como conheço o amigo, tento aqui adiantar o que posso:

Os sinos dobram, dom King!,

E a contenda começou,

O jurubeba enfezado

De cara já perguntou:

- Onde tu compras tem pra homem?

És aquilo que consomes?

Qualé, rapá? Se androginou?

 
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