Livraria da Folha

 
23/07/2010 - 13h14

Tradutor fala sobre dificuldades em transpor obra de Maquiavel para o português

PAULA DUME
colaboração para a Livraria da Folha

Mauricio Santana Dias
Para Santana Dias, escolher um texto mais confiável é fundamental para boa tradução
Para Santana Dias, escolher um texto mais confiável é fundamental para boa tradução

Latinismos, arcaísmos e "florentinismos". À primeira vista, os termos parecem pomposos, mas não são. Formam um emaranhado de referências históricas da época em que o escritor e pensador italiano Nicolau Maquiavel (1469-1527) escreveu "O Príncipe". Essas citações compõem a obra, que completará 500 anos em 2013.

Considerada uma obra clássica da filosofia moderna e fundadora da ciência política, o livro é fruto de sua época (Florença do século 16). O exemplar não dita apenas o jogo político, é também um estudo sobre as virtudes e os vícios ligados ao comportamento dos governantes.

Nele, Maquiavel faz referências à moralidade, ética e organização urbana. Tanto que chegou a ser preso em 1513, acusado de conspiração. Perdoado pelo papa Leão 10º, o pensador se exilou e passou a escrever suas grandes obras.

Mauricio Santana Dias, tradutor brasileiro da nova edição de "O Príncipe" que será lançado pelo selo Penguin-Companhia na última semana de julho, levou quatro meses para traduzir direto do italiano a obra --desde a primeira frase até o ponto final. "A leitura e os estudos sobre a obra de Maquiavel e de seus comentadores são coisa de muitos anos", diz.

Maquiavel utiliza um estilo intrincado de escrita, reconhecido por especialistas italianos. Santana Dias afirmou que traduzir o livro foi um "tour de force" (expressão francesa equivalente a "façanha"). Ele já conhecia a história das traduções para o português e para outras línguas, e as armadilhas em que muitos tradutores caíram. Por conta disso, tomou cuidado com os problemas mais frequentes.

Divulgação
Desafio dos especialistas é traduzir de um "sistema cultural" para outro
Desafio dos especialistas é traduzir de um "sistema cultural" para outro
Reprodução
Maquiavel refere-se à moralidade, ética e organização urbana na obra
Maquiavel refere-se à moralidade, ética e organização urbana na obra

Escreveu um texto em português que fosse, ao mesmo tempo, preciso no uso dos conceitos e próximo das estruturas discursivas de Maquiavel, do estilo argumentativo, dos paralelismos sintáticos, dos períodos longos, das imagens e ainda assim moderno.

"Sem deixar de mostrar ao leitor brasileiro de que se trata de uma obra quinhentista, uma obra-prima do renascimento italiano", ressalta.

Questionado se sentiu dificuldades com relação à regionalidade de alguns termos ou até ostracismo de outros, explicou que a principal dificuldade não está propriamente na tradução de termos locais ou que caíram em desuso. Esses tipos de impasses podem ser resolvidos com bons dicionários, enciclopédias e bibliografia crítica, segundo ele.

"A grande questão para o tradutor é: como traduzir de um "sistema cultural" para outro. Essa dificuldade aumenta quando se trata de uma obra de quase 500 anos, comentada e traduzida exaustivamente há séculos, um texto que ajudou a fundar a concepção moderna de política."

Direto do italiano, Santana Dias já traduziu obras de Luigi Pirandello, Primo Levi, Claudio Magris, Cesare Pavese, entre outros. Além de "O Príncipe", pela Penguin-Companhia, outra recente tradução que fez foi "Coleção de Areia", último livro publicado por Italo Calvino (1923-1985).

Ele frisou que o tradutor tem que saber escolher a edição com a qual vai trabalhar. Para "O Príncipe", utilizou como texto base a edição crítica de G. Inglese, reproduzida por Corrado Vivanti na coleção de clássicos "Gallimard-Einaudi".

"Além de estabelecer o texto mais confiável de "O Príncipe", traz um extenso aparato de notas. Essa escolha preliminar é fundamental para um bom trabalho de tradução", afirma.

 
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