Treinamento
02/07/2009 - 22h12

Números oficiais sobre doentes são ocultados

ANNA CAROLINA CARDOSO
ESTELITA HASSA CARAZZAI
Enviadas especiais a Minaçu (GO)

Pelas ruas de Minaçu, a professora Lúcia Marques, 42, é conhecida como "a louca". Ela tenta, desde o ano passado, provar na Justiça que a morte do pai, ex-trabalhador da Sama, foi provocada pelo amianto e criar uma associação de apoio às vítimas do mineral. Casos como o de Lúcia são exceção na cidade, onde a maioria diz desconhecer quem tenha adoecido por causa do trabalho na mina.

"Tudo o que se fala contra o amianto é mentira. Até hoje não se prova que houve sequer uma pessoa doente aqui. Isso é tudo fantasia", diz o prefeito Cícero Romão (PSDB).

Anna Carolina Cardoso/Folha Imagem
O prefeito de Minaçu, Cícero Romão (PSDB), em entrevista em seu gabinete
O prefeito de Minaçu, Cícero Romão (PSDB), em entrevista em seu gabinete

O risco à saúde dos trabalhadores --se inalado, o amianto pode provocar fibrose pulmonar e câncer-- é o principal argumento de quem luta pela proibição do minério.

A Sama garante que depois de 1980 não houve nenhum caso de trabalhadores doentes na cidade. Nessa época, foram adotados equipamentos de segurança e instalados filtros nas usinas da mineradora, que acabaram com a "nuvem de amianto" que invadia as casas.

Apesar das garantias da mineradora, não há dados oficiais sobre a saúde de quem trabalha com o amianto. Dezessete empresas do setor, entre elas a Sama, conseguiram uma liminar para não cumprir portaria que exigia que informações sobre os trabalhadores fossem enviadas ao Ministério da Saúde. O argumento é que a portaria inibe a atividade e "constitui privilégio à indústria de fibras alternativas", que não foi obrigada a encaminhar os dados.

Laudos divergentes

A Sama diz monitorar a saúde de cerca de 11 mil trabalhadores e ex-trabalhadores anualmente. Entre todos, ela reconhece aproximadamente cem doentes. O número é considerado subestimado pela Abrea (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto) e por trabalhadores que discordam dos laudos da Sama.

Estelita Carazzai/Folha Imagem
Ilton Batista Cascalho e Joana Filomena dos Reis Cascalho trabalharam na Sama durante 10 anos
Ilton Batista Cascalho e Joana Filomena dos Reis Cascalho trabalharam na Sama dez anos

É o caso de Ilton Cascalho, 56, e sua mulher, Joana Cascalho, 50. Na década de 1970 eles trabalharam na Sama por dez e 12 anos, respectivamente. Os dois têm nódulos no pulmão e questionam a avaliação da empresa, que não relaciona a alteração à exposição ao amianto, como um segundo médico diagnosticou. A Sama, por sua vez, contesta a aptidão do profissional para avaliar o caso.

Para o sindicato dos mineradores, muitos ex-trabalhadores querem estar doentes para receber, por meio de acordo extrajudicial, o plano de saúde e a indenização que são pagos quando diagnosticadas doenças relacionadas ao amianto. Já existem 3.500 desses acordos, assinados antes do diagnóstico. A Sama não divulga quantas dessas pessoas estão de fato doentes.

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