São Paulo, domingo, 04 de novembro de 2007

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Por "dinheirinho", sem-terra decidem se "aquietar" em PE

Agricultores remanescentes de invasões dizem não ver resultado nas ações de reforma agrária e preferir Bolsa Família a se arriscar

Com dois filhos, Evanilson Pereira, lavrador de 28 anos, reconhece que o auxílio de R$ 36 que recebe é pouco, "mas dá para farinha e leite"

FÁBIO GUIBU
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CARUARU (PE)

Em mais um dia quente do verão de 2004, trabalhadores rurais invadiam o sítio Caldeirão, na zona rural de Caruaru (136 km de Recife, PE), para pedir reforma agrária. Três anos se passaram e a desapropriação não veio. Mas os sem-terra não pensam mais em tomar a área. Esperam agora a divisão da terra, conformados com o pagamento regular dos programas sociais pelo governo federal.
"É um dinheiro pouco, mas dá para a farinha e o leite", disse o lavrador Evanilson da Silva Pereira, 28. Remanescente da invasão de 2004, ele recebe R$ 36 do Bolsa Família. Continua sem terra. Vive com a mulher e dois filhos no terreno da casa da mãe, em Lages, a 25 km do centro de Caruaru.
"Resolvi me aquietar", afirmou o agricultor, que é ligado à Fetape (Federação dos Trabalhadores na Agricultura). "Tenho dois filhos pequenos para criar, e é melhor garantir esse dinheirinho do que me arriscar", declarou.
Pereira disse que foi convidado a participar de outras invasões, mas recusou. Tornou-se ao mesmo tempo uma espécie de "refém" da miséria e dos programas sociais. "Se não tivesse esses programas do governo, eu já estaria batalhando terra por aí."
Além do Bolsa Família, Pereira já teve acesso ao Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). Com um empréstimo de R$ 1.000, comprou em sociedade com um amigo dez cabras e bodes. A criação duplicou em pouco tempo, mas os bodinhos ainda não atingiram o porte ideal para a venda.
Enquanto os animais não geram lucros, o lavrador procura aumentar a renda, fazendo "bicos" em fazendas da região. Nos períodos de chuva, ele planta milho e feijão às margens da rodovia BR-104.
Em outubro, auge da seca no Agreste, Pereira só conseguiu faturar R$ 80 com o trabalho extra, valor pouco abaixo do obtido no mesmo período por outro sem-terra do vilarejo, Severino Inácio da Silva, 30.
Casado, pai de quatro filhos, Silva também é remanescente de uma invasão promovida pela Fetape em 2002, na região. Assim como Pereira, ele diz que não viu resultado na ação. Agora, prefere esperar a reforma agrária em casa, recebendo R$ 78 do Bolsa Família e cuidando do plantel de um boi e três vacas, formado por meio de um empréstimo do Pronaf e pela venda de alguns porcos.
"O dinheiro que é certo em casa é só o do cartão. Se vier mais, é de bico", disse Silva, que mora com a família na casa da sogra. "Tem mês que o dinheirinho do bico nem pareia [empata] com o do Bolsa Família", afirmou. Em outubro, os trabalhos extras renderam ao agricultor apenas R$ 120.
Mesmo quem recebe pouco do governo prefere garantir o benefício a arriscar ser excluído do programa. O valor varia de acordo com o perfil de cada beneficiado.
"É pouco, mas adianta. A ocupação [invasão] não tem futuro para mim", disse o lavrador Nivaldo Félix da Silva, 50. Ex-militante do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), o agricultor, que recebe R$ 15 mensais do governo, participou de uma invasão em Caruaru há um ano e três meses, mas abandonou o acampamento.
Hoje, vive com a mulher e dois filhos em uma casa de taipa. Para aumentar sua renda, trabalha ensacando cal, serviço que lhe rendeu diversas feridas nas mãos e R$ 120 em outubro. O sem-terra tem no quintal de casa uma vaca, comprada com recursos do Pronaf.


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