São Paulo, domingo, 04 de novembro de 2007

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Ministro do TCU pede quebra de sigilo de ONGs

Para Marcos Bemquerer, CPI deve aprofundar investigação fiscal e bancária sobre entidades que recebem recursos da União

Ele foi relator da auditoria que avaliou o repasse total de R$ 150 milhões, em 28 convênios fechados com dez entidades entre 1999 e 2005

RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Relator de auditoria que fiscalizou convênios entre o governo federal e ONGs, o ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) Marcos Bemquerer diz, em entrevista à Folha, que a CPI das ONGs deveria aprofundar investigações com a quebra de sigilos bancário e fiscal das entidades que mantêm convênios com a União.
A auditoria do TCU, concluída no final de 2006, avaliou o repasse de R$ 150 milhões da União em 28 convênios fechados com dez entidades entre 1999 e 2005. Concluiu que em 15 dos casos, orçados em R$ 82 milhões, as entidades escolhidas não tinham condições de cumprir os convênios.  

FOLHA - Que experiência o TCU acumulou com a auditoria, onde estão os erros e as irregularidades?
MARCOS BEMQUERER
- Os técnicos e auditores do TCU agruparam em cinco grupos de irregularidades achadas em várias fases dos convênios. Mas o ponto principal é a questão da escolha das entidades. No caso das entidades que foram objeto de auditoria, em 54% dos casos ficou comprovado que elas não dispunham de condições operacionais para consecução dos seus objetos ou não tinham atribuições estatutárias relacionadas aos objetos. A escolha foi mal feita em 54,5% dos casos. Isso gera o grande número de irregularidades que vêm depois, nas licitações, nas prestações de contas, nos desvios de finalidade.

FOLHA - A entidade é escolhida sem disputa?
BEMQUERER
- Não há [disputa]. São duas formas pelas quais elas são escolhidas. Uma grande quantidade está ligada às emendas parlamentares. Na emenda, o nome da entidade já está contemplado. Então o deputado ou o senador apresenta o projeto -pode ser até o Executivo- e nessa emenda já consta a ONG que vai receber o dinheiro. A outra forma é quando é contemplado um determinado programa de governo, a partir do qual as entidades apresentam seus projetos ao ministério responsável e a quem compete aprovar ou não as entidades. Aí não é um processo licitatório, ele [ministério] analisa várias propostas e escolhe, segundo seus critérios.

FOLHA - A emenda dirigida a entidade é porta aberta à corrupção?
BEMQUERER
- Isso foi levantado. Consta do relatório das contas do governo de 2006, relatado pelo ministro Ubiratan Aguiar, uma observação nesse sentido. O sistema permite, nesse ponto há uma vulnerabilidade do sistema. Não que necessariamente vá acontecer a corrupção nessa escolha, mas há possibilidade. Agora, é um sistema também que privilegia políticas públicas. Dizer que é errado também é complicado porque muitas vezes as bancadas de determinado Estado ou região se unem para contemplar um programa de trabalho ou um projeto de interesse da comunidade.

FOLHA - O que fazer então para melhorar o sistema?
BEMQUERER
- No meu ponto de vista, a adoção de critérios mais objetivos, técnicos, para escolher essas entidades. Não visar o lado da entidade, e sim o do projeto. Então a entidade tem que apresentar um projeto bem feito, com uma atividade de interesse do governo e da comunidade, sendo um projeto bem avaliado e estudado.

FOLHA - Isso já não ocorre hoje, o dinheiro só é liberado em função de um projeto foco de um convênio?
BEMQUERER
- É, mas o que o TCU detectou é que esses projetos são mal elaborados, não são bem definidas as ações que devem ser feitas e também não é feita avaliação se a entidade tem competência e recursos humanos e materiais suficientes. É uma avaliação técnica que tem ser feita previamente. A outra determinação do TCU é que todas as liberações para ONGs devam ser disponibilizadas na internet para todos os cidadãos. Seria um controle direto da comunidade interessada.

FOLHA - Recentemente a Folha divulgou levantamento da Consultoria de Orçamento da Câmara mostrando o pouco tempo de existência de algumas ONGs conveniadas, o que seria contrário à Lei de Diretrizes Orçamentárias. Um segundo ponto é o uso de transferências de capital para aquisição de bens permanentes. Qual a avaliação do senhor?
BEMQUERER
- Esse primeiro já foi detectado na auditoria que eu relatei. Houve até uma entidade que foi criada depois do repasse. Ela recebeu dinheiro num dia e a criação ocorreu no dia seguinte. E teve uma outra criada três meses antes, recebeu uma quantidade grande de verbas. A outra questão também é antiga, desde a década de 60 tem uma lei que proíbe investimentos por essas entidades. Se a entidade usar dinheiro público destinado a ação social para investimento, e bens de capital, claro que ela estaria enriquecendo com dinheiro público, o que não é correto.

FOLHA - Os ministérios alegaram que os convênios estabelecem a incorporação do bem adquirido ao patrimônio da União. As cláusulas podem ser superiores à LDO?
BEMQUERER
- Não. Aí teria que analisar o que realmente aconteceu, qual a cláusula e por que foi feito isso. Genericamente falando, é uma proibição legal, um convênio jamais poderia ir contra uma lei. A justificativa que eu vi é que, no final do convênio, o bem seria revertido para a União. Agora, essa é uma justificativa genérica e que teria que ser analisada pelo tribunal num caso concreto.

FOLHA - Na sua avaliação, no que a CPI poderia ajudar, qual o foco dela?
BEMQUERER
- A CPI tem mais poderes de investigação que o TCU. Ela tem acesso a sigilo bancário, fiscal. Então, em tese, ela poderia levantar e conseguir mais informações do que o TCU. Ela tem, pela Constituição, poderes maiores de investigação, para poder rastrear o dinheiro. Como o TCU não tem acesso ao sigilo bancário, por exemplo, nossa atuação para detectar onde realmente foi parar o dinheiro é limitada. Chega um ponto em que é necessário ter acesso à conta bancária, ou uma declaração de imposto de renda, e o TCU não pode.


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