São Paulo, quinta-feira, 04 de agosto de 2011

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FOGO ALTO A visão de quem cozinha?

LOURDES HERNÁNDEZ

'Rapidinha' gastronômica


Pode-se comer 'antojitos' em pé ou de cócoras, encostado num muro ou num poste


Eu tive um microrrestaurante no México. A porta fechada. Só entrava quem falava a senha. Bruno Oteiza, cozinheiro e amigo, foi frequentador assíduo das madrugadas da nossa casa. Onde gostava de repetir que o que eu tinha era uma "antojería". Neologismo derivado de "antojo". Do latim "ante oculum", ante os olhos. O tipo de desejo que nasce violento mas efêmero.
Vocês, brasileiros, traduzem a palavra "antojo" por desejo. Já os "antojitos", nessa outra culinária que não é a dos corpos trançados, têm seus mistérios, seus esconderijos, seus paraísos imediatos. É um oferecimento e uma negação. Milho, feijão e chile são nossa trindade, mas qualquer coisa que se mexa, a gente caça, a gente traça.
No México, há "antojitos" em qualquer parte. Ninguém lembra quando foi a primeira vez que os cheirou, mas, pelo olfato, os distingue sempre: são a coreografia do subemprego e a fome criativa.
Os "antojitos" são a "rapidinha" gastronômica. Pode-se comê-los em pé ou de cócoras, encostado num muro ou num poste. É a incursão jubilosa da comida sem compromisso, o depósito histórico de cheiros e sabores que nos forjam. Pátria criada à força de um museu involuntário de gostos que marcam nossas diferenças e semelhanças. Comidinha levemente perigosa, extravagante, milagrosa em sua sobrevivência.
Os "antojitos" são breves, fulminantes, picantes e agridoces, vaidosos e hospitaleiros, mínimos e transbordados, fascinantes e agoniantes, engordativos, coloridos, sujos, orgiásticos e urbanos, campesinos e silentes, amassadores e obscenos.
Para comê-los, você não necessita de outra coisa além de suas mãos, sua vontade, sua boca. Eles quebram o dia, a rotina, o tédio da dieta. E você só precisa de seus dedos, sua língua, seus dentes, do verbo chupar, querer-querer, fome...
A palavra "antojito" é uma dessas palavras sagradas, que, sem nenhuma vergonha, repetimos numa eterna continuidade e ruptura.
E Bruno acertou na mosca. Me temo, ai, ai, só sei fazer "antojitos".

LOURDES HERNÁNDEZ foi autora da coluna "La Cocinera Atrevida" em jornais mexicanos; hoje oferece jantares em casa, em SP, para convidados



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