São Paulo, quinta-feira, 08 de setembro de 2011

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NINA HORTA

Festa no interior


Ele era o único que tinha certezas, eu era incapaz de dizer qual fruta não dava sem polinização de outro pé


Casamento no interior. Tem que sair cedo, de madrugada, levando tudo. Ainda bem que é bem perto, senão teríamos que dormir lá um dia antes e um dia depois. O céu está de um azul gelado, daqueles céus que fazem falta no Rio. Quando está assim, pode contar com 42º.
Dá tempo de ler um pouco de jornal no caminho, não há novidades no front, só mais do que já havia.
Chegamos. O lugar é bonito, rústico, e ambientado para casamentos. Entro correndo pelos fundos, porque é nos fundos que se acha a ação. Reina a paz, tudo em andamento e tempo de espera.
Jogo fora um pouco de conversa, o chef corta o salmão bem fino, outros lavam a salada, vai ter uma mesa fria substituindo o coquetel. Dois ou três canapés e de dois a três pratos quentes. Bonito e simples. As flores combinam com o tom das vasilhas, dos pratos, e é uma satisfação quando tudo dá certo e não se sente o peso de desperdício que acaba quase sempre em mau gosto.
Começa uma discussão amigável entre o pessoal da cozinha. Discussão que já começou ontem quando cheguei ao bufê. Estavam o motorista, o maître, a telefonista e um dos chefs conversando sob e sobre frutas macho e fêmea, na hora do almoço. Que algumas frutas não davam se não existissem as duas árvores. Isso é conversa do motorista que mora no Embu e adora plantas.
Os outros riam desabaladamente, achando que era safadeza da cabeça dele e que nenhuma árvore precisava de outra para dar frutos. Bandeei para o lado do motorista, mas, sempre muito falastrona na hora de ensinar, calei-me pasma da minha profunda ignorância. Ele era o único que tinha certezas absolutas, eu era incapaz de dizer qual fruta não dava sem polinização de outro pé próximo. Mamão é um exemplo, não é?
Porque dizemos mamão macho, ahm, uhm....
E não haveria comida no casamento se não fossem as abelhas? Tudo parado? Sorvetes de frutas, pedaços de melão, bolinho de arroz, café. Pepinos, tomates, pimentões, abobrinhas, nada de ratatouille, nada feito, cozinha fechada.
Estamos acostumados a ver as frutas nos supermercados e as flores no jardim. Nada a ver um com o outro.
Mas a missão da flor é o sexo, é reproduzir, é virar fruto. E há as flores hermafroditas, que ignorância pétrea, se me fosse dada outra vida queria criar abelhas espalhadeiras de pólen, saber a direção dos ventos para plantar minha aveia, e meu milho e minha grama.
O chão perto do altar está cheio de amoras e nem vi as flores e não sei como são polinizadas. Devem ser autopolinizadas porque tem um pé na minha casa muito sozinho e que dá frutos. Uma manhã no campo e volto para a cidade aos trambolhões, espirrando, no meio de tanto pólen, esses cheiros, essas cores, esses ventos, abelhas, insetos, borboletas, besouros, beija-flores, como rainha cega de um mundo Fantástico, o show da vida! Comam e dancem muito, noivos lindos e alegres.
Implicava um pouco com casamentos fora da cidade, mas os noivos é que sabem, nada mais sexy que o campo, por Deus! Chegando em casa vou ver se baixo um "Manual de Polinização para Dummies".

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