São Paulo, quinta-feira, 12 de maio de 2011

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NINA HORTA

A resposta mora ao lado


De que jeito os meninos da ilha, que engolem ostras como pílulas, aprendem a comer feijão verde e arroz?


TODA VEZ que me avisam que vai ser um dia importante, o artigo trava na garganta. O computador é a tal página branca e as teclas se negam a responder ao chamado.
O Divino Espírito Santo voou pra longe, enjoado de escutar gritos de Veni Creator Spiritus!
A menina que trabalha comigo (filósofa!) sugere que eu fale da atitude das pessoas frente à comida. O amor exagerado dos italianos pelo brodo, a importância que os franceses dão às refeições, a alegria chinesa com qualquer coisa comível.
E me lembro de uma pesquisa sobre a influência dos costumes na nossa vida e na nossa saúde. Descobrimos o trabalho quando escrevi o livro das merendeiras, "Vamos Comer". (Só é encontrado em sebo, foi publicado pelo MEC e não foi vendido, mas doado a escolas.)
Numa aldeia do Vietnã, inventou-se um método para diminuir o grande problema da desnutrição. Tudo contribuía para aumentá-lo. Falta de saneamento, de água potável, pobreza, nenhum nível de educação nutricional, uma série de coisas a complicar um negócio já de per se bem difícil de ser resolvido.
Havia anos que as tentativas de dar um jeito em tudo isso vinham de fora, prontas, às vezes muito intrusivas, às vezes muito caras, às vezes os dois. Quando os recursos externos eram suspensos, o problema voltava, como se jamais houvesse sido atacado.
O que fizeram os pesquisadores? Começaram a estudar de novo as crianças e perceberam que, na mesma comunidade, com os pais ganhando o mesmo dinheiro, havia as bem nutridas, gorduchas e saudáveis e as desnutridas. Reexaminaram os hábitos das famílias em relação à alimentação das crianças.
As respostas estavam lá. As saudáveis consumiam, além do arroz, base da alimentação deles, camarões de água doce, pitus de um córrego que passava pelos fundos e folhas de batata-doce.
Partindo dessa informação fizeram um projeto para ir acostumando as outras crianças e os pais a esse tipo de alimento que sempre havia estado ali, junto de todos. Em seis meses, dois terços das crianças atingiram o peso ideal.
Não sou especialista em alimentação infantil, mas sou testemunha de que em Paraty há o rio e o mar. Existem as pessoas do mato que não sabem pescar no mar, e pescadores que não entendem de farinhas e cocos e não caçam. Duas culturas que moram encostadas. Não mais que atravessar a estrada.
E fico de olho parado, pensando na globalização, como ainda há de demorar para que todos se tornem uma aldeia. Como é que seu Estevão que seca seus peixinhos de rio vai gostar, de repente, de marisco de areia e sororoca?
E como os meninos da ilha, que engolem ostras como se fossem pílulas, vão aprender a comer barriga de porco? Feijão-verde, arroz-de-leite? O que é de quem? Um agarramento aos costumes inacreditável.
Nas cidades grandes, nas classes mais altas, chegamos ao salmão antes de passar pela sardinha, ao foie gras antes do torresmo, ganhamos muitas novidades, comemos de tudo um pouco.
Quanto à questão de saúde e da nutrição, valeu, mas será que não perdemos a simplicidade de raiz, que, convenhamos, era mais chique? Fomos aos terroirs, esquecemos os terreiros. Caso a se pensar.

ninahorta@uol.com.br


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