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Bombeiros lembram feridas físicas e mentais do resgate
Um dia após o resgate da sexta vítima da cratera, eles já estavam em treinamento
Participantes da operação em Pinheiros afirmam que aparelhos já indicavam a provável inexistência de sobreviventes na cratera
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
No dia seguinte ao resgate do
corpo da sexta vítima do desabamento da estação do metrô
em Pinheiros, na zona oeste de
São Paulo, o primeiro-tenente
Carlos Roberto Rodrigues, 35,
contava as bolhas nos pés: 12,
todas estouradas, que o faziam
mancar dentro das botas do
uniforme.
Foram 18 horas consecutivas
em pé dentro de um túnel, água
até os joelhos, atmosfera carregada dos gases de carbono expirados pelos motores das retroescavadeiras em ação, barulhos estridentes, calor de 38C
e um odor forte, que tornava
obrigatória a aplicação nas narinas de um gel de mentol, cânfora e óleo de eucalipto. "Senão
parece que a mucosa nasal fica
impregnada e a gente passa até
um mês sentindo aquele cheiro", explica Rodrigues.
Chefe da cadeira de Salvamento Terrestre da Escola de
Bombeiros, em Franco da Rocha (Grande SP), bem ao lado
de uma unidade da Fundação
Casa (ex-Febem), sob orientação do tenente e sua equipe formou-se a maioria dos soldados
envolvidos no resgate dos corpos na tragédia do metrô.
Na cadeira de salvamento
terrestre eles aprendem técnicas de desencarceramento de
ferragens (usadas para retirar
os corpos das vítimas dos destroços do microônibus), escoramento de emergência, ação
em desabamentos e soterramentos, movimentação de força por meio de alavancas e roldanas, como usar os localizadores de vítimas (equipamentos
alemães e israelenses que permitem auscultar o solo a dezenas de metros de profundidade,
de modo a captar ruídos produzidos por vítimas soterradas).
Os bombeiros espalharam os
localizadores na cratera da estação do metrô que desabou, ao
mesmo tempo em que os cães
farejadores eram soltos. Pela
ausência completa de sinais já
se soube que as chances de encontrar alguém com vida eram
muito remotas.
Cansaço e sabão
O sargento Francisco Medeiros de Assis, 43, também trabalhou 18 horas consecutivas no
resgate. Imundo e exausto, chegou à escola de bombeiros desesperado por um banho. Entrou no chuveiro, ensaboou-se
e acabou a água. "Fui para casa
dormir, ensaboado mesmo",
lembra ele. Medeiros atuou no
choque de trens em Itaquera
(zona leste paulistana), em
1987, que deixou 59 mortos.
Na sexta-feira, o tenente Rodrigues e o sargento Medeiros
já estavam de volta à escola para atividades didáticas. A aula
era de adaptação a locais confinados, no subsolo inundado de
um edifício de oito andares, tudo às escuras, manequim jogado em um canto (como ficaria
uma vítima) e entulhos espalhados nos corredores.
"É para preparar o bombeiro
para atuar em galerias, poços
subterrâneos, locais muitas vezes sem iluminação nem oxigenação adequadas. O objetivo
não é evitar que o soldado sinta
medo, mas sim condicioná-lo a
evitar o pânico que paralisa",
diz Rodrigues.
Heróis
Os parentes das vítimas da
tragédia da linha 4-amarela do
metrô homenagearam os bombeiros com faixas, aplausos e
abraços quando se concluiu o
resgate dos seis corpos. Várias
vezes, durante esses trabalhos,
os soldados correram o risco de
as paredes da cratera desabarem sobre si. "Bombeiros rejeitam o rótulo de heróis", afirma
o tenente Rodrigues. "O melhor bombeiro não é o herói,
que se acha melhor do que os
outros; é o ser humano, que sabe sentir compaixão."
Uma parente de vítima diz
que, durante a semana passada,
o medo era de que os bombeiros desistissem de prosseguir
com as buscas. "Eu sei que tem
muita gente que questiona o fato de nós colocarmos as vidas
de nossos soldados em risco,
quando já não há esperança de
salvar as vidas das próprias vítimas. Mas nossa cultura considera importante a cerimônia
do adeus no enterro. Fazemos
tudo para dar esse conforto às
famílias. Nessa hora não tem
brincadeira, ninguém ri, todos
ficam sérios até o término do
trabalho", afirma Medeiros.
O capitão Ernesto Rizzetto,
44, comandante da Companhia
Escola de Bombeiros, que trabalhou em tragédias como a
queda do avião da TAM em
1996 -que deixou 99 mortos,
na região do Jabaquara-, ou a
explosão do shopping de Osasco -Grande São Paulo-, com
42 vítimas fatais, no mesmo
ano, conta que 10 mil soldados
candidataram-se às 600 vagas
que foram abertas no último
processo seletivo.
Na memória
O curso para oficial bombeiro, com duração de um ano,
tem disciplinas especializadas,
como mecânica de solos e fluidos e resistência dos materiais,
feitas junto à Faculdade de Tecnologia de São Paulo.
Chamados de "cata-gatos"
(porque sempre que um gato
sobe em uma árvore e não sabe
como descer é a eles que se recorre), os soldados com especialização em salvamentos terrestres também são os que acodem nas tentativas de suicídio.
O tenente Rodrigues atuou em
18 casos. "Em 17 a ação foi bem-sucedida. Em um a vítima pulou. Deste caso eu me lembro
de cada detalhe."
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