São Paulo, quinta-feira, 23 de julho de 2009

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Contrarreforma no FMI?


Com a crise, o Fundo voltou a ser uma instituição central; é natural que se acirre a disputa pelo controle instituição

PEÇO LICENÇA , leitor, para tratar do FMI de novo. Na verdade, não tenho opção. A carga de trabalho tem sido grande; não consigo ler direito os jornais nem pensar muito em outros assuntos. Uma das razões da sobrecarga é que estão acontecendo coisas importantes por aqui, entre elas a reforma do FMI.
É a velha luta pelo poder. Com a crise, o Fundo voltou a ser uma instituição central. Centenas de bilhões de dólares estão sendo carreados para cá. É natural que se acirre a disputa pelo controle instituição.
Para os países em desenvolvimento, o objetivo central da reforma é a redistribuição de cotas e votos. Os EUA e a Europa desenvolvida têm juntos quase metade dos votos no FMI. Essa concentração dos votos retira legitimidade da instituição.
Outros países têm outras ideias, algumas péssimas para nós. Uma das piores é a criação de um Conselho de nível ministerial. A proposta é antiga; foi ressuscitada por países europeus. Ela conta com apoio de setores influentes dentro do FMI. Se não tomarmos cuidado, sofreremos uma derrota monumental.
Para que o leitor possa entender o que está em jogo, preciso explicar brevemente a estrutura do FMI e como nela entraria o Conselho. O FMI tem três instâncias residentes em Washington: a Administração, a Diretoria e o Staff; e duas instâncias não residentes: a Assembleia de Governadores e o Comitê Monetário e Financeiro Internacional (conhecido pela sigla em inglês IMFC).
A Administração é comandada pelo diretor-gerente, atualmente o francês Dominique Strauss-Kahn. O Staff é o corpo técnico permanente, subordinado à Administração. A Diretoria (24 cadeiras) representa os 186 países-membros, além de zelar pela instituição. Ela não está subordinada à Administração; funciona como contrapeso a ela e ao Staff.
Muitas decisões são tomadas pela Diretoria, onde o voto é por cadeira.
A maioria das decisões importantes é levada à Assembleia de Governadores, onde cada país vota por si (o governador é geralmente o ministro das Finanças ou o presidente do banco central). Já o IMFC é um comitê formado por 24 dos 186 governadores do FMI; a sua composição espelha a da Diretoria. Porém, diferentemente da Diretoria e da Assembleia, o IMFC delibera por consenso. As suas reuniões ocorrem duas vezes por ano e nelas se define a agenda de trabalho do FMI.
O Conselho substituiria o IMFC e absorveria grande parte das responsabilidades da Diretoria. Ele seria integrado por ministros ou pessoas de nível ministerial. A composição e a distribuição de votos do Conselho espelhariam a da Diretoria.
Na prática, ministros e presidentes de bancos centrais não têm tempo para se dedicar aos temas do FMI. A participação no Conselho seria relegada a secretários e assessores residentes nas capitais. Portanto o Conselho não funcionaria como contrapeso eficaz à Administração e ao Staff do Fundo. Com a Diretoria residente esvaziada, o resultado seria uma enorme concentração de poder nas mãos da Administração e do Staff.
Um mecanismo de consenso, o IMFC, seria substituído por um Conselho que decidiria com base na estrutura desigual de votos do FMI, o que favoreceria os países desenvolvidos. Outro motivo que levaria o Conselho a ser dominado pelos desenvolvidos é o fato de que só eles dispõem de burocracias razoavelmente organizadas para tratar dos assuntos do Fundo.
Para os países em desenvolvimento, o Conselho seria um grande retrocesso, uma verdadeira contrarreforma.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 54, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago), mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal.

pnbjr@attglobal.net


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