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Mercado de imóveis desaloja mais pobres
Expansão de condomínios para os mais abastados se dá às custas de demolição de casebres sem documentação
Moradias são postas abaixo às vezes com força policial; população desabrigada
é transferida para longe
das zonas de trabalho
DO ENVIADO ESPECIAL A LUANDA
O casebre de Antonio Manoel, 31, no bairro de Talatona,
em Luanda, está condenado pela Edurb, a Empresa de Desenvolvimento Urbano de Angola.
Uma pichação feita pela companhia com tinta branca na parede externa indica que é uma
questão de tempo até uma máquina aparecer e colocar abaixo
o imóvel de blocos, construído
por ele mesmo e onde vive com
mulher e seis filhos.
Há dois meses, as máquinas
vieram e "partiram" 113 casas,
deixando outras 200 de pé.
Prometeram voltar.
Manoel está prestes a reforçar a estatística dos deserdados
pelo progresso angolano. As comunidades miseráveis de
Luanda Sul, a nova fronteira
imobiliária da capital angolana,
precisam dar lugar a condomínios que pipocam pela cidade.
Segundo relatório conjunto
da ONG local SOS Habitat e da
norte-americana Human
Rights Watch publicado em
maio deste ano, cerca de 20 mil
pessoas foram retiradas de suas
casas entre 2002 e 2006 pela
polícia, muitas vezes com violência. Recebem a promessa de
uma nova moradia, a qual, porém, freqüentemente fica a 30
km ou 40 km de distância. "As
pessoas perdem o emprego, as
crianças perdem a escola. Não
há como se locomover", diz André Augusto, ativista da SOS
Habitat.
Manoel, ironicamente, terá
de sair justamente quando pensava que iria melhorar de vida.
A loja de eletrodomésticos para
a qual ele faz entregas vai abrir
uma filial no novíssimo Belas
Shopping, visível de sua casa.
Se não tivesse de se mudar, as
duas horas que gasta diariamente até a matriz, no centro,
cairiam para 15 minutos.
Invasores
Nas várias comunidades
atingidas, muitos desafiam o
despejo e decidem ficar. O governo angolano diz que os moradores retirados são invasores
de áreas do Estado, que não
têm títulos de posse. "O governo tem procurado criar condições mínimas para os que são
removidos de suas casas", diz
Custódio Armando, coordenador da Anip, a Agência Nacional
para o Investimento Privado,
ligada à Presidência.
A falta de documentos é comum em Angola. Na capital, o
fato foi agravado pelo rápido
inchaço provocado pelos refugiados de guerra. Luanda passou de 1 milhão para 4 milhões
de pessoas em três décadas.
"Grande parte dessas pessoas não estavam autorizadas.
É claro que elas querem ficar
onde estão, mas estão sendo levadas a outros lugares", diz
Olímpio de Souza Silva, diretor
do serviço de imprensa do governo angolano.
Na comunidade de Cambamba 2, os policiais chegaram numa madrugada no final de
2004. Demoliram de uma só
vez 370 casas para dar lugar a
uma expansão do condomínio
Nova Vida, destinado a militares e à alta burocracia oficial.
"Naquele dia tivemos que
dormir ao ar livre", afirma
Quiala Victor, 22. Ele e outros
233 moradores resolveram ficar. Atravessaram a estrada de
terra e fundaram uma "cidade
de metal" do outro lado.
Barracos foram improvisados com chapas e placas. A "casa" de Victor tem 1,5 metro de
altura, chão de terra e não mais
do que 6 m2. Cabem cama, colchão, lençol, algumas roupas,
um rádio, um prato, talheres e
uma bola de basquete, esporte
que é uma paixão angolana.
Atrás, numa microhorta, ele
planta batatas.
Mais adiante, a comunidade
do Morro do Chapéu abriga algumas famílias que deram a
sorte de ser deslocadas para
um local não tão distante do
original. Mas o bairro prometido, por enquanto, é pouco mais
que um terreno baldio com algumas casas.
"Encontramos só capim
aqui. Não havia nada", afirma
André Ikuwike, 36, que trabalha como gari na prefeitura.
Antes, morava ao lado da estrada onde se pega o "candongueiro" (lotação) para o centro.
Agora, precisa caminhar 80 minutos.
(FÁBIO ZANINI)
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