São Paulo, domingo, 04 de novembro de 2007

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Mercado de imóveis desaloja mais pobres

Expansão de condomínios para os mais abastados se dá às custas de demolição de casebres sem documentação

Moradias são postas abaixo às vezes com força policial; população desabrigada é transferida para longe das zonas de trabalho

DO ENVIADO ESPECIAL A LUANDA

O casebre de Antonio Manoel, 31, no bairro de Talatona, em Luanda, está condenado pela Edurb, a Empresa de Desenvolvimento Urbano de Angola. Uma pichação feita pela companhia com tinta branca na parede externa indica que é uma questão de tempo até uma máquina aparecer e colocar abaixo o imóvel de blocos, construído por ele mesmo e onde vive com mulher e seis filhos.
Há dois meses, as máquinas vieram e "partiram" 113 casas, deixando outras 200 de pé. Prometeram voltar.
Manoel está prestes a reforçar a estatística dos deserdados pelo progresso angolano. As comunidades miseráveis de Luanda Sul, a nova fronteira imobiliária da capital angolana, precisam dar lugar a condomínios que pipocam pela cidade.
Segundo relatório conjunto da ONG local SOS Habitat e da norte-americana Human Rights Watch publicado em maio deste ano, cerca de 20 mil pessoas foram retiradas de suas casas entre 2002 e 2006 pela polícia, muitas vezes com violência. Recebem a promessa de uma nova moradia, a qual, porém, freqüentemente fica a 30 km ou 40 km de distância. "As pessoas perdem o emprego, as crianças perdem a escola. Não há como se locomover", diz André Augusto, ativista da SOS Habitat.
Manoel, ironicamente, terá de sair justamente quando pensava que iria melhorar de vida. A loja de eletrodomésticos para a qual ele faz entregas vai abrir uma filial no novíssimo Belas Shopping, visível de sua casa. Se não tivesse de se mudar, as duas horas que gasta diariamente até a matriz, no centro, cairiam para 15 minutos.

Invasores
Nas várias comunidades atingidas, muitos desafiam o despejo e decidem ficar. O governo angolano diz que os moradores retirados são invasores de áreas do Estado, que não têm títulos de posse. "O governo tem procurado criar condições mínimas para os que são removidos de suas casas", diz Custódio Armando, coordenador da Anip, a Agência Nacional para o Investimento Privado, ligada à Presidência.
A falta de documentos é comum em Angola. Na capital, o fato foi agravado pelo rápido inchaço provocado pelos refugiados de guerra. Luanda passou de 1 milhão para 4 milhões de pessoas em três décadas.
"Grande parte dessas pessoas não estavam autorizadas. É claro que elas querem ficar onde estão, mas estão sendo levadas a outros lugares", diz Olímpio de Souza Silva, diretor do serviço de imprensa do governo angolano.
Na comunidade de Cambamba 2, os policiais chegaram numa madrugada no final de 2004. Demoliram de uma só vez 370 casas para dar lugar a uma expansão do condomínio Nova Vida, destinado a militares e à alta burocracia oficial.
"Naquele dia tivemos que dormir ao ar livre", afirma Quiala Victor, 22. Ele e outros 233 moradores resolveram ficar. Atravessaram a estrada de terra e fundaram uma "cidade de metal" do outro lado.
Barracos foram improvisados com chapas e placas. A "casa" de Victor tem 1,5 metro de altura, chão de terra e não mais do que 6 m2. Cabem cama, colchão, lençol, algumas roupas, um rádio, um prato, talheres e uma bola de basquete, esporte que é uma paixão angolana. Atrás, numa microhorta, ele planta batatas.
Mais adiante, a comunidade do Morro do Chapéu abriga algumas famílias que deram a sorte de ser deslocadas para um local não tão distante do original. Mas o bairro prometido, por enquanto, é pouco mais que um terreno baldio com algumas casas.
"Encontramos só capim aqui. Não havia nada", afirma André Ikuwike, 36, que trabalha como gari na prefeitura. Antes, morava ao lado da estrada onde se pega o "candongueiro" (lotação) para o centro. Agora, precisa caminhar 80 minutos. (FÁBIO ZANINI)


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