São Paulo, domingo, 04 de novembro de 2007

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Plano refaz rota de Abraão no Oriente Médio

Na Turquia, projeto criado em Harvard lança roteiro de peregrinação baseado nos passos do patriarca do monoteísmo

Tensões políticas entre árabes e israelenses e guerra no Iraque, porém, ameaçam caminho, que vai de Harran a Hebron, na Cisjordânia

ANDREA MURTA
DA REDAÇÃO

Na cidade turca de Harran, a cerca de 320 km da fronteira com o Iraque, foi inaugurada neste fim de semana uma iniciativa muito diferente das atuais operações militares de Ancara contra guerrilheiros curdos que encontram refúgio entre os dois países.
Longe do barulho das batalhas, 250 organizadores de 20 países lançaram a pedra fundamental do projeto Caminho de Abraão, rota turística que busca refazer no Oriente Médio as peregrinações do patriarca religioso nascido por volta do século 19 a.C.
A primeira fase da rota, que o projeto pretende colocar em funcionamento até 2016, vai de Harran até Hebron, na Cisjordânia, passando por Síria e Jordânia (veja mapa). O trecho lançado entre sexta-feira e hoje tem 60 km e vai dessa cidade turca até a fronteira síria.
O lançamento da pedra fundamental não abriu a rota ao público, mas significa que o trecho foi oficialmente percorrido e aprovado pelo governo turco. "Ainda estamos demarcando o caminho com placas de orientação", explicou à Folha José Fernando Latorre, representante do projeto no Brasil. "A âncora turística do caminho, um trecho de 120 km na Jordânia, estará pronta para receber o público em maio de 2008", adianta o brasileiro.
O caminho é patrocinado pelo Projeto de Negociação Global (GIP, na sigla em inglês) da Universidade Harvard, nos EUA. Além de estimular o turismo -e com isso o desenvolvimento econômico local-, a rota visa promover a união e o entendimento entre cristãos, muçulmanos e judeus. Abraão, considerado o pai do monoteísmo, é figura central para as três religiões. Além de ser tido como criador do judaísmo, seus descendentes teriam dado origem a cristãos e muçulmanos -para o islã, ele é ancestral de Maomé.
"Apoiamos o projeto pelo potencial de fomentar uma cultura de paz", afirmou à Folha o xeque Jihad Hammadeh, da comunidade islâmica de São Paulo. "Retornar à "fonte" de Abraão, uma convergência para as religiões monoteístas, pode ajudar nesse diálogo."
Assim como islâmicos, judeus e cristãos brasileiros manifestaram apoio ao projeto. "A coexistência pacífica entre as três comunidades no Brasil é um exemplo que tentamos exportar", afirma Latorre.

Focos de Tensão
Enquanto as negociações avançam com os governos da Turquia e Jordânia, ainda não foi firmado acordo com Síria, Líbano, Israel e Autoridade Nacional Palestina -com os quais há só conversas preliminares.
As relações conflituosas entre Israel e árabes são um desafio para o projeto. "Procuramos mostrar que não tomamos partido na política nem na religião", diz Latorre. "Buscamos o desenvolvimento." Ele admite, porém, que houve resistência no início das negociações internacionais, pelo fato de ser uma universidade dos EUA a patrocinadora da iniciativa.
Mas são os atritos atuais entre Israel e Síria os principais responsáveis pela dose de ceticismo que cerca a rota. Israelenses, que mantêm controle sobre o território sírio das Colinas de Golã desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967, atacaram no último mês uma base no país vizinho que suspeitavam operar um projeto nuclear, indicando que a tensão continua.
Para o analista britânico David Newman, do departamento de política da Universidade Ben-Gurion de Negev (Israel), "o projeto parece ótimo, mas algo que vem da Síria não pode entrar em Israel". "Não vejo como poderá ser implementado", disse. A opinião é compartilhada por Yaacov Bar-Siman-Tov, da Universidade Hebraica de Jerusalém. "Infelizmente não vejo esperança para essa iniciativa enquanto o conflito entre Israel e Síria não se resolver", afirmou à Folha. "Desenvolvimento econômico é importante para construir a paz, mas a experiência no Oriente Médio indica que projetos acabam barrados pela política."

Iraque
Outra crise que eleva a tensão na região, o confronto entre turcos e separatistas curdos, não afetou até agora a continuidade do caminho. "A rota passa longe da região mais problemática na Turquia. Não houve incidentes", disse Latorre.
O país vem efetuando ataques contra guerrilheiros do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) e ameaça invadir o Iraque, onde há bases do grupo, em retaliação às ações contra seu Exército.
Para o padre João Coning, da Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte, é fundamental -do ponto de vista religioso- que a rota percorra o Iraque. E é justamente ali que o maior conflito da região impede o planejamento da segunda etapa da rota, que pretende chegar a Ur -cidade natal de Abraão na antiga Babilônia. "Na Idade Média, Bagdá foi um grande centro para as três religiões no Oriente, de importância comparável a Toledo e Córdoba para o Ocidente." Por enquanto, porém, os fiéis terão de esperar. "Não há condições políticas para tentar negociar", diz Latorre.


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