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Plano refaz rota de Abraão no Oriente Médio
Na Turquia, projeto criado em Harvard lança roteiro de peregrinação baseado nos passos do patriarca do monoteísmo
Tensões políticas entre árabes e israelenses e guerra no Iraque, porém, ameaçam caminho, que vai de Harran a Hebron, na Cisjordânia
ANDREA MURTA
DA REDAÇÃO
Na cidade turca de Harran, a
cerca de 320 km da fronteira
com o Iraque, foi inaugurada
neste fim de semana uma iniciativa muito diferente das
atuais operações militares de
Ancara contra guerrilheiros
curdos que encontram refúgio
entre os dois países.
Longe do barulho das batalhas, 250 organizadores de 20
países lançaram a pedra fundamental do projeto Caminho de
Abraão, rota turística que busca refazer no Oriente Médio as
peregrinações do patriarca religioso nascido por volta do século 19 a.C.
A primeira fase da rota, que o
projeto pretende colocar em
funcionamento até 2016, vai de
Harran até Hebron, na Cisjordânia, passando por Síria e Jordânia (veja mapa). O trecho
lançado entre sexta-feira e hoje
tem 60 km e vai dessa cidade
turca até a fronteira síria.
O lançamento da pedra fundamental não abriu a rota ao
público, mas significa que o trecho foi oficialmente percorrido
e aprovado pelo governo turco.
"Ainda estamos demarcando o
caminho com placas de orientação", explicou à Folha José
Fernando Latorre, representante do projeto no Brasil. "A
âncora turística do caminho,
um trecho de 120 km na Jordânia, estará pronta para receber
o público em maio de 2008",
adianta o brasileiro.
O caminho é patrocinado pelo Projeto de Negociação Global (GIP, na sigla em inglês) da
Universidade Harvard, nos
EUA. Além de estimular o turismo -e com isso o desenvolvimento econômico local-, a
rota visa promover a união e o
entendimento entre cristãos,
muçulmanos e judeus. Abraão,
considerado o pai do monoteísmo, é figura central para as três
religiões. Além de ser tido como criador do judaísmo, seus
descendentes teriam dado origem a cristãos e muçulmanos
-para o islã, ele é ancestral de
Maomé.
"Apoiamos o projeto pelo potencial de fomentar uma cultura de paz", afirmou à Folha o
xeque Jihad Hammadeh, da
comunidade islâmica de São
Paulo. "Retornar à "fonte" de
Abraão, uma convergência para as religiões monoteístas, pode ajudar nesse diálogo."
Assim como islâmicos, judeus e cristãos brasileiros manifestaram apoio ao projeto. "A
coexistência pacífica entre as
três comunidades no Brasil é
um exemplo que tentamos exportar", afirma Latorre.
Focos de Tensão
Enquanto as negociações
avançam com os governos da
Turquia e Jordânia, ainda não
foi firmado acordo com Síria,
Líbano, Israel e Autoridade Nacional Palestina -com os quais
há só conversas preliminares.
As relações conflituosas entre Israel e árabes são um desafio para o projeto. "Procuramos
mostrar que não tomamos partido na política nem na religião", diz Latorre. "Buscamos o
desenvolvimento." Ele admite,
porém, que houve resistência
no início das negociações internacionais, pelo fato de ser uma
universidade dos EUA a patrocinadora da iniciativa.
Mas são os atritos atuais entre Israel e Síria os principais
responsáveis pela dose de ceticismo que cerca a rota. Israelenses, que mantêm controle
sobre o território sírio das Colinas de Golã desde a Guerra dos
Seis Dias, em 1967, atacaram no
último mês uma base no país
vizinho que suspeitavam operar um projeto nuclear, indicando que a tensão continua.
Para o analista britânico David Newman, do departamento
de política da Universidade
Ben-Gurion de Negev (Israel),
"o projeto parece ótimo, mas
algo que vem da Síria não pode
entrar em Israel". "Não vejo como poderá ser implementado",
disse. A opinião é compartilhada por Yaacov Bar-Siman-Tov,
da Universidade Hebraica de
Jerusalém. "Infelizmente não
vejo esperança para essa iniciativa enquanto o conflito entre
Israel e Síria não se resolver",
afirmou à Folha. "Desenvolvimento econômico é importante para construir a paz, mas a
experiência no Oriente Médio
indica que projetos acabam
barrados pela política."
Iraque
Outra crise que eleva a tensão na região, o confronto entre
turcos e separatistas curdos,
não afetou até agora a continuidade do caminho. "A rota passa
longe da região mais problemática na Turquia. Não houve incidentes", disse Latorre.
O país vem efetuando ataques contra guerrilheiros do
Partido dos Trabalhadores do
Curdistão (PKK) e ameaça invadir o Iraque, onde há bases
do grupo, em retaliação às
ações contra seu Exército.
Para o padre João Coning, da
Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte, é fundamental -do
ponto de vista religioso- que a
rota percorra o Iraque. E é justamente ali que o maior conflito da região impede o planejamento da segunda etapa da rota, que pretende chegar a Ur
-cidade natal de Abraão na antiga Babilônia. "Na Idade Média, Bagdá foi um grande centro
para as três religiões no Oriente, de importância comparável
a Toledo e Córdoba para o Ocidente." Por enquanto, porém,
os fiéis terão de esperar. "Não
há condições políticas para tentar negociar", diz Latorre.
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