São Paulo, domingo, 04 de novembro de 2007

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ARTIGO

O maior problema de Israel

Crescimento populacional desigual entre árabes e israelenses ameaça poder de dissuasão e põe em xeque política de Washington e Jerusalém para a região

PAUL KENNEDY
Ao resenhar o polêmico novo livro de John Mearsheimer e Stephen Walt, "The Israel Lobby and U.S. Foreign Policy" (o lobby de Israel e a política externa americana), no "New York Times", o comentarista de relações exteriores Les Gelb observou que o "relacionamento especial" entre Israel e EUA provocou desavenças desde o primeiro momento.
Os americanos sempre tiveram opiniões divididas sobre até que ponto deveriam se envolver nos problemas do Oriente Médio e apoiar Israel.
Gelb recordou os dois pontos de vista totalmente opostos apresentados ao presidente Harry S. Truman no período crítico de 1946-1947, quando o Reino Unido anunciou sua retirada da Palestina e quando árabes e judeus se preparavam para lutar por esse território.
O assessor jurídico do presidente, Clark Gifford, argumentou que os EUA tinham a obrigação moral de apoiar a criação de um Estado judaico, em vista do pouco caso demonstrado pelo mundo em relação ao Holocausto nazista. Já o respeitado secretário de Estado de Truman, George Marshall, achou que o reconhecimento de Israel prejudicaria as relações dos EUA com o mundo árabe de forma permanente. Truman rejeitou o conselho de Marshall, com isso possibilitando a criação do Estado de Israel.
A sinopse traçada por Gelb dos receios de Marshall me levou a voltar a um artigo que escrevi há cerca de seis anos sobre desequilíbrios demográficos entre judeus e árabes.
Os dados da tabela nesta página são do Banco de Dados Internacionais do Birô do Censo dos EUA e representam os totais populacionais de Israel e seus vizinhos em 1973 (ano da Guerra do Iom Kipur) e de 2006, e os números projetados dizem respeito a 2050.
A lição é clara: Israel, apesar de seus próprios altos níveis de fertilidade, possui peso demográfico cada vez menor para influenciar a paisagem geopolítica do Oriente Médio.
Assim, a perspectiva demográfica global para o Estado de Israel é extremamente sombria -como previu Marshall. Ela também é sombria para os países árabes, como explicarei abaixo, pelo simples fato de que uma explosão demográfica como a que sugerem esses números constituiria mau augúrio para qualquer sociedade.
Portanto, em minha opinião, as tendências demográficas no Oriente Médio representam ameaças muito maiores às chances de estabilidade e prosperidade da região do que qualquer dos perigos alardeados por nossa imensa gama de estrategistas militares.

Conseqüências
Aponto algumas poucas dessas conseqüências. As primeiras duas dizem respeito não ao conflito israelo-palestino, mas às pressões demográficas e ambientais mais amplas. Se a população total desses Estados chegar a cerca de 250 milhões até 2050 ou mesmo antes disso, o suprimento de água se esgotará e os Estados árabes voltarão ao estado desértico.
Depois, é difícil imaginar como a tessitura social da maioria desses Estados árabes poderia se conservar inteira se suas populações dobrarem ou triplicarem. Basta considerar a Síria, pobre em recursos, passando de 19 milhões para 34 milhões de habitantes em 40 anos.
E como será possível evitar uma explosão social e física crescente na Cisjordânia e na faixa de Gaza se chegar um momento em que 9,8 milhões de palestinos forem contidos por um Estado composto de meros 6,5 milhões de judeus, mais, digamos, 2 milhões de árabes israelenses relutantes?
É claro que, mesmo quando houver muito mais palestinos na Cisjordânia e em Gaza do que judeus em Israel, estes últimos sempre vão conservar uma vantagem militar enorme. Mas quando uma "vantagem" militar perde sua eficácia? Como se enfrenta uma população irada, muitas vezes maior que a sua, que disputa as mesmas terras?
Isso nos conduz a uma questão relacionada e terrível, que é: quando os totais populacionais árabes, ou mesmo iraniano, se tornarão tão grandes que até mesmo a ameaça de retaliação nuclear israelense contra quaisquer das armas de destruição em massa de seus inimigos deixará de ter um poder de intimidação tão grande?
O presidente Mao costumava dizer a visitantes estrangeiros (ou será que era apenas brincadeira?) que não se importava com as ameaças americanas de atacar a China com armas nucleares, porque ainda restariam milhões de chineses vivos. Se isso soa delirante, acho que meu argumento não o é: resumindo, que a política retaliatória em estilo "olho por olho" de sucessivos governos israelenses terá efeito dissuasivo menor quando os números forem tão desproporcionais.
Várias pessoas nos Estados vizinhos poderiam morrer para cada cidadão judeu morto em conflitos futuros, e o resultado ainda seria o mesmo: a subjugação do Estado de Israel.
Essas são idéias apavorantes, mas políticos israelenses cuidadosos, como Shimon Peres, já têm essa possibilidade, e os fatores demográficos que a impulsionam, em mente há muito tempo. Vem daí sua investida na busca por soluções políticas.
O consenso que se tem no momento é que faz sentido para Israel proceder num caminho duplo: (a) reagir com força maciça a todos que atacam, ou que se acredita que estejam prestes a atacar; e (b) buscar uma saída política com os setores palestinos mais moderados, alcançando a paz em pelo menos uma frente e, com isso, separando os extremistas dos árabes dispostos a negociar.
Em suma, continuar a fazer o que o governo Olmert, apoiado pelos EUA, vem fazendo.
De fato, esse pode ser o único caminho sensato a seguir no momento. Se ele vai funcionar no prazo longo é algo que está muito menos claro para mim. A superioridade militar de Israel pode manter os lobos à distância por um longo tempo ainda.
Mas isso não pode formar uma resposta completa. Mesmo um acordo político razoavelmente bom com governos e movimentos árabes, embora altamente desejável, pode ser só uma maneira de ganhar tempo.
Esse é o maior problema de longo prazo de Israel. Entretanto, como avisou George Marshall, ele pode também se tornar o problema dos EUA.
Mas será que alguém na Casa Branca ou no Congresso de hoje se preocupa com isso?


PAUL KENNEDY é professor J. Richardson de História e diretor de Estudos em Segurança Internacional na Universidade Yale. Seu livro mais recente é "The Parliament of Man", sobre as Nações Unidas. Este artigo foi distribuído pela Tribune Media Services.

Tradução de CLARA ALLAIN



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