São Paulo, sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

A verdade da comissão

SÃO PAULO - O ministro Paulo Vannuchi, dos Direitos Humanos, considerou a solução satisfatória e não vê, por ora, razão para pegar o chapéu e se retirar do governo, como havia ameaçado. Já o ministro Nelson Jobim, da Defesa, pode estufar o peito e cantar de galo junto aos militares -afinal, a expressão "no contexto da repressão política" sumiu do novo decreto. O texto agora prevê o "exame" (e não mais a "apuração e o esclarecimento público") de violações aos direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988, e não só durante o regime militar.
Todos comemoram. Mas, afinal, quem perdeu? O decreto de Lula dedica ao problema tratamento lacônico e impreciso, de forma que ambos os lados possam sair com a sensação de que foram contemplados. Com a pena da conciliação, o presidente escreve apenas um novo capítulo da empulhação legislativa, de longa tradição no país. Decide-se no papel para não resolver de fato.
Num conto célebre de Machado de Assis, o pai orienta o filho como ter sucesso na vida. Ao discursar em público, diz ele, ocupe-se dos "negócios miúdos" ou da "metafísica política". A mensagem, cheia de ironia, é clara: para ter êxito, seja frívolo ou grave, mas nunca vá ao ponto.
Com esse decreto de Lula -misto de "negócios miúdos" e "metafísica política"-, Vannuchi pode até fingir que saiu vitorioso. Afinal, o presidente instalou o grupo de trabalho que deve encaminhar ao Congresso até abril o projeto que cria a Comissão da Verdade. Mas quem acredita nisso? Ainda parece a alguém que Lula deseja ir ao ponto?
Há ainda no país 140 vítimas da ditadura "desaparecidas", a maioria delas mortas na guerrilha do Araguaia. Quando o Estado brasileiro, que desde 1995, com Fernando Henrique Cardoso, assumiu a responsabilidade pelos assassinatos, vai dar uma satisfação às famílias?
E quando serão abertos os arquivos dos centros de informação militares (CIE, Cenimar e Cisa), considerados os mais importantes para conhecer o período? Qual será a verdade (ou farsa) dessa comissão?


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