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FERNANDO DE BARROS E SILVA
A verdade da comissão
SÃO PAULO - O ministro Paulo
Vannuchi, dos Direitos Humanos,
considerou a solução satisfatória e
não vê, por ora, razão para pegar o
chapéu e se retirar do governo, como havia ameaçado. Já o ministro
Nelson Jobim, da Defesa, pode estufar o peito e cantar de galo junto
aos militares -afinal, a expressão
"no contexto da repressão política"
sumiu do novo decreto. O texto agora prevê o "exame" (e não mais a
"apuração e o esclarecimento público") de violações aos direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988,
e não só durante o regime militar.
Todos comemoram. Mas, afinal,
quem perdeu? O decreto de Lula
dedica ao problema tratamento lacônico e impreciso, de forma que
ambos os lados possam sair com a
sensação de que foram contemplados. Com a pena da conciliação, o
presidente escreve apenas um novo
capítulo da empulhação legislativa,
de longa tradição no país. Decide-se
no papel para não resolver de fato.
Num conto célebre de Machado
de Assis, o pai orienta o filho como
ter sucesso na vida. Ao discursar em
público, diz ele, ocupe-se dos "negócios miúdos" ou da "metafísica
política". A mensagem, cheia de ironia, é clara: para ter êxito, seja frívolo ou grave, mas nunca vá ao ponto.
Com esse decreto de Lula -misto
de "negócios miúdos" e "metafísica
política"-, Vannuchi pode até fingir que saiu vitorioso. Afinal, o presidente instalou o grupo de trabalho que deve encaminhar ao Congresso até abril o projeto que cria a
Comissão da Verdade. Mas quem
acredita nisso? Ainda parece a alguém que Lula deseja ir ao ponto?
Há ainda no país 140 vítimas da
ditadura "desaparecidas", a maioria
delas mortas na guerrilha do Araguaia. Quando o Estado brasileiro,
que desde 1995, com Fernando
Henrique Cardoso, assumiu a responsabilidade pelos assassinatos,
vai dar uma satisfação às famílias?
E quando serão abertos os arquivos dos centros de informação militares (CIE, Cenimar e Cisa), considerados os mais importantes para
conhecer o período? Qual será a
verdade (ou farsa) dessa comissão?
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