São Paulo, domingo, 31 de outubro de 2010

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Mossad descobriu Mengele no Brasil, mas não o deteve

Serviço secreto de Israel temia que ação provocasse nova crise diplomática

Em 1962, israelenses capturaram Eichmann em Buenos Aires, mas a Argentina protestou e expulsou o embaixador

Baz Ratner - 28.mar.06/Associated Press
Rafi Eitan, que comandou a operação em que foi preso o nazista Eichmann, em 1960

MARCELO NINIO
DE JERUSALÉM

O Mossad sabia desde 1962 que o criminoso nazista Josef Mengele vivia escondido no Brasil e chegou a preparar a operação para prendê-lo.
O plano do serviço de espionagem israelense era repetir o que havia sido feito dois anos antes na Argentina, quando seus agentes capturaram Adolf Eichmann, um dos arquitetos do extermínio alemão de 6 milhões de judeus na Segunda Guerra Mundial.
A revelação é do ex-chefe do Mossad Rafi Eitan, 84, o comandante da operação secreta que levou Eichmann em 1960 para Israel, onde o nazista foi julgado e punido com a forca.
"Fui ao Brasil com outro agente em 1962 e confirmamos que Mengele vivia sob identidade falsa nos arredores de São Paulo", contou Eitan à Folha. "Na volta, começamos a preparar a operação para capturá-lo, mas o governo acabou desistindo."

MORTE
Mengele morreu afogado em 1979 em Bertioga, litoral de São Paulo, sem jamais responder pelas atrocidades que cometeu como chefe do serviço médico do campo de concentração de Auschwitz (Polônia), entre 1943 e 1945.
Sua ossada foi encontrada em 1985 no cemitério de Embu das Artes, num das ações policiais mais notórias do delegado Romeu Tuma, morto nesta semana. Mais de 20 anos antes, entretanto, o médico alemão que ficou conhecido como o "Anjo da Morte" pelas experiências sádicas que realizava com prisioneiros já era alvo do Mossad.
Rafi Eitan conta que Mengele estava no topo da lista de nazistas procurados pelo Mossad no fim da década da 50, ao lado de Eichmann e de Heinrich Müller, o chefe da Gestapo (polícia secreta).
A lista fora preparada a pedido do então premiê de Israel, David Ben Gurion, que queria dar ao mundo um exemplo de justiça.
"Ele achava que o julgamento de um alto dirigente nazista no país dos judeus seria a melhor forma de mostrar que a história não se repetiria", lembra Eitan. Eichmann permanece até hoje como o único réu executado pelo Estado de Israel.
A caça aos demais foragidos não parou depois da captura de Eichmann na Argentina. Segundo Eitan, Mengele foi localizado em 1962 e sua identificação foi confirmada 100% por ele próprio por meio de comparação com fotografias. A partir daí teve início a etapa de coleta de dados para permitir a elaboração da operação de captura.
Mas questões internas e externas mudariam os planos. Entre os motivos da desistência de Israel esteve o receio de que uma nova operação clandestina abalasse as relações com o Brasil.
A captura de Eichmann gerou séria crise com a Argentina, que indignou-se com a violação de sua soberania e expulsou o embaixador israelense no país. Segundo Eitan, Israel não quis correr o risco de que o mesmo ocorresse com o Brasil.
Também surgiram preocupações mais imediatas, entre elas a revelação de que a Alemanha estava ajudando o Egito, na época o principal inimigo de Israel, a desenvolver um programa de mísseis.
"Uma operação de captura exige muito tempo e recursos e nos anos seguintes surgiram outras prioridades, como a Guerra dos Seis Dias [1967]", diz o ex-espião.
Segundo Eitan, a descoberta de que Mengele estava em São Paulo desde a década de 60 não foi compartilhada com o governo brasileiro porque Israel achava que, se ela fosse divulgada, a comunidade alemã no país daria um jeito de ajudá-lo a escapar. "Decidimos guardar a informação até ter uma chance de agir, mas ela nunca veio", diz o ex-chefe do Mossad.
Sobre a polêmica em torno da identificação da ossada de Mengele, que foi colocada em dúvida na época da descoberta feita por Romeu Tuma, Eitan é categórico. Segundo ele, amostras do DNA enviadas a Israel comprovaram que o alemão de identidade falsa que se afogou em Bertioga em 1979 era mesmo o "Anjo da Morte".


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