O paciente como agente

Proposta que assegura a doente terminal o direito de tomar decisões está aquém do necessário

Paciente internado em ala de cuidados paliativos em hospital na capital paulista - Leticia Moreira - 7.fev.12/Folhapress

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Gostaria de partilhar do contido otimismo de minha amiga Cláudia Collucci com o recém-aprovado projeto de lei estadual de São Paulo (PL 231/18) que assegura a doentes terminais o direito de tomar decisões sobre seu tratamento ou paliação, mas receio que a proposta, que aguarda sanção, fique ainda bem aquém do que precisamos.

Não é que o PL seja inútil. Louvo os esforços do deputado Carlos Neder, autor do diploma, e até acho que a peça poderá ajudar a disseminar nos hospitais paulistas a cultura de respeito à autonomia do paciente. Acredito, porém, que o projeto padeça de um problema de origem que é incontornável: ele poderá converter-se numa lei estadual, quando o que necessitamos é regulamentação federal.

Uma autonomia forte do paciente, é importante frisar, já faz parte do ordenamento jurídico brasileiro. Ela deriva da previsão constitucional de que ninguém é obrigado a fazer nada senão em virtude da lei (art. 5º, II). Exceto por situações relativamente raras, como as de internações psiquiátricas involuntárias, não existem leis obrigando pacientes a submeter-se a tratamentos que não desejam, de modo que recusar procedimentos, inclusive de hidratação e alimentação, é, a meu ver, um direito líquido e certo.

Paradoxalmente, o que mais conspira contra a autonomia são passagens do Código de Ética Médica que, num arroubo de paternalismo onipotente, dão ao médico poderes quase absolutos sempre que ele julgar que a vida do paciente está em risco. Na minha interpretação, normas derivadas diretamente da Constituição prevalecem sobre códigos profissionais, ainda que tenham força de lei federal.

É justamente esse conflito que o legislador precisa esclarecer em definitivo, além de regulamentar com mais detalhe os instrumentos através dos quais o paciente pode manifestar sua vontade. A medicina brasileira não pode continuar na era pré-kantiana em que ainda se encontra.

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