Como chegamos até aqui? Não houve revolta de perdedores da globalização

As questões redistributivas no país não foram eclipsadas pelas identitárias

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O que Brexit, Trump, Erdogan, Duterte e Bolsonaro têm em comum? Muito pouco.

Analistas têm subsumido fenômenos inteiramente heterogêneos em uma onda conservadora, conceito de escassa tração analítica, a não ser quando aplicado a domínios restritos.

Trump e o Brexit refletem, de fato, um movimento comum de “globalization losers” (perdedores da globalização).

Se na Europa e nos EUA a globalização produziu deslocamentos sociais —declínio e crise de antigas regiões industriais e violento recrudescimento da imigração para países ricos—, engendrando crise de representação política e populismo, no Brasil e na América Latina, o efeito foi outro.

 

A globalização e a ascensão da China provocaram entre nós um boom de commodities que teve efeito avassalador. Some-se a isso a descoberta do pré-sal, que magnificou o efeito “maldição de recursos”.

No plano da representação política, as questões redistributivas não foram eclipsadas pelas identitárias. Conferir centralidade à guerra cultural (forte nas das democracias avançadas) no caso brasileiro constitui grave equívoco interpretativo.

Não houve revolta de perdedores da globalização nem contra elites internacionalistas. Pelo contrário: foi sob a égide de um redistributivismo forte que sobreveio um desvario fiscal de amplas consequências.

A globalização era um jogo de soma positiva antes do choque, que veio através de uma rara combinação de hecatombe econômica e exposição pornográfica da corrupção sob a Lava Jato, que explica o colapso do sistema partidário e consequente onda conservadora.

A Lava Jato não pode ser subestimada: segundo o Latino Barômetro (2017), 31% dos Brasileiros consideraram a corrupção a principal preocupação, ante 6% na Argentina e uma média na região de 10%.

Foi assim a frustração dos “ganhadores da globalização”, sua revolta contra a corrupção e a reversão brutal de expectativas que balançaram o pêndulo dos eleitores de média renda e baixa identidade programática. Não foram ameaças a seu status que geraram a reação.

Erdogan, da Turquia, e Duterte, das Filipinas, parecem “reversão à média” —um retorno ao autoritarismo secular, e mais forte no primeiro, pois se imbrica em conflito sobre a identidade nacional, entre ocidental ou islâmica, que vem desde o Império Otomano.

A onda conservadora no Brasil não é exatamente majoritária —não reflete um novo “zeitgeist”—, embora expresse o conservadorismo atávico na sociedade. A ascensão de Bolsonaro foi viabilizada pela rejeição do centro ao seu rival.

O centro deterá assim a Espada de Dâmocles: sua defecção poderá implicar o colapso do novo governo.

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