Facebook, eu acuso

Decisão da Folha de não atualizar rede social tensiona debate sobre relação com gigante virtual

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O jornal "Le Monde" publicou ilustração recente em que aparece a inscrição: "Facebook, j'acuse!". O diário francês remete à celebre frase do romancista e ativista político Émile Zola (1840-1902), uma contundente e implacável denúncia contra a injustiça. Busca assim qualificar o cenário atual do embate entre as empresas de mídia e a maior rede social do planeta.

​A decisão da Folha de suspender postagens no Facebook, anunciada na quinta (8), tornou-se notícia em vários jornais do mundo e assunto de leitores. De certa forma, pode ser interpretada como o "eu acuso" da Folha contra o gigante virtual.

O jornal reagiu de forma dura dias depois de a rede social mundial divulgar mudança do algoritmo que define a organização das páginas e perfis de seus usuários. O Facebook decidiu privilegiar amigos e postagens que provocam comentários entre eles em detrimento de conteúdo público e notícias. O argumento é que a mudança fortaleceria o senso de comunidade dos usuários.

A comparação dos números de acesso originados na rede social --antes e depois-- revela queda de visualização de sites jornalísticos e aumento da audiência de sites produtores de notícias falsas.

As redes sociais revolucionaram a forma de produzir, de consumir e de compartilhar notícias. Tornaram-se portas de acesso poderosas para sites noticiosos. No entanto, os produtores de conteúdo não são remunerados pela informação compartilhada nas páginas do Facebook, apesar de garantirem parte de sua audiência.

A decisão da Folha tem forte aspecto político e pode até levar a queda no acesso ao seu site. São quase 6 milhões de seguidores que deixarão de receber as postagens do jornal. Como ficará a relação deles com a Folha? Não dá para prever.

Por outro lado, pode ajudar a forjar nova relação das empresas jornalísticas com o Facebook, ainda mais se outras publicações seguirem a mesma direção.

O que o leitor tem a ver com o que parece ser uma briga comercial e de marketing, e que tem componentes de crise de identidade e ego?

Tudo. Não só pelo que essa relação interfere na sobrevivência das empresas de comunicação, mas especialmente no que se refere à qualidade da informação que consome.

Os críticos mais enfáticos de Mark Zuckerberg, criador do Facebook, simplesmente dizem que ele quebrou o jornalismo. Ao lado do Google, apoderou-se de quase dois terços da publicidade que financiava a imprensa. Há os que o acusam de reduzir o hábito de leitura de seus usuários e de manipulá-los psicologicamente para que permaneçam engajados em suas páginas.

O Facebook reúne hoje 2 bilhões de usuários e lucra na faixa de US$ 10 bilhões. Tornou-se o editor mais poderoso do mundo, como definiu a revista "The Atlantic". No início, estimulou parcerias com a de mídia. Agora, mudou o algoritmo que define o parâmetro para a alimentação das páginas. "Ninguém sabe exatamente o impacto que terá, mas de muitas maneiras, parece o fim da era das notícias sociais", disse Jacob Weisberg, editor-chefe da "Slate", ao "The New York Times".

O editor-executivo da Folha, Sérgio Dávila, acusa o Facebook de abrir espaço para a proliferação de notícias falsas, ao banir o jornalismo profissional de suas páginas.

No contexto de luta pela sobrevivência e pela valorização da notícia verdadeira, a radicalidade da Folha merece ser apoiada.

"Não vale mais gastar energia"

O editor-executivo da Folha, Sérgio Dávila, falou sobre a relação do jornal com o Facebook.

Como a Folha responde à afirmação de que está abrindo mão de milhões de leitores enquanto deveria agir para ser cada vez mais lida e estar mais presente nas redes sociais, também para combater as "fake news"?

Sérgio Dávila - A Folha não abre mão de milhões de leitores, tanto que seu site teve 35 milhões de visitantes únicos em janeiro, quando a nova política do Facebook já estava em vigor. Também os leitores continuam podendo compartilhar o conteúdo do jornal em suas páginas pessoais. Só não fará mais esforço nem gastará energia num ambiente em que o jornalismo profissional não é valorizado. Sobre "fake news", mantém a política de "fact checking", própria e em parceria.

Que tipo de desafio empresas como Google e Facebook representam? A Folha está preparada para enfrentamentos tecnológicos globais?

Um desafio em duas frentes: o duopólio disputa o tempo do leitor, que é inelástico, e traga a maior parte da verba publicitária digital nos mercados em que atua. A Folha sente-se preparada para seguir inovando no que faz melhor, isto é, produzir conteúdo de qualidade, segundo preceitos do jornalismo profissional, e cobrar por isso.

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