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Paraplégico, ex-jogador atuou com filho de Gaddafi e foi ídolo em Israel

Torcedores fazem vaquinha e lotam estádio em homenagem a brasileiro Leandro Simioni

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Alberto Nogueira
São Paulo

Ex-jogador de futebol, Leandro Simioni, 43, perdeu o movimento das pernas após um acidente de moto, em 2010. Com passagens sem brilho por equipes do Brasil, fez carreira atuando em diversos clubes no exterior. Chegou a jogar ao lado do filho do ex-ditador líbio Muammar Gaddafi e virou ídolo em Israel, onde foi homenageado por torcedores que arrecadaram R$ 17,5 mil para sua viagem.

Leia abaixo seu depoimento à Folha.

 

O futebol é uma paixão que veio do meu pai. Ele não foi profissional, mas jogava muito bem, lembro que fazia muitos gols, e eu estava sempre presente, vendo ele jogar. A carreira no esporte acabou parecendo um destino natural.

Passei pela base do São Paulo, mas depois acabei indo para clubes menores, como o Nacional e o Mauaense, onde cheguei ao time profissional. Nessa época, porém, já estava com 20 anos e, meio desiludido, achei que o melhor era fazer curso de Educação Física.

Um dia, um amigo que estava no XV de Caraguatatuba me convidou para jogar pela equipe. Disse que precisavam de um meia, minha posição. Estava estudando, nem pensava mais em bola, mas resolvi ir. Acabei ganhando a vaga e retomei a carreira.

O clube disputava a Série A-3 do Paulista [equivalente à terceira divisão] na época. Em uma partida, um empresário foi ver alguns jogadores do time adversário para levá-los para o futebol da Bélgica, só que eu me destaquei mais.

Acabei parando no Cercle Brugge. Mas foi um ano [1997] muito difícil para mim e para a minha esposa, que estava grávida de seis meses da minha primeira filha, que nasceu lá. Não falávamos nem inglês, muito menos francês e holandês. Foi complicado demais.

Voltei ao Brasil, e amigos que haviam ido para a China me convenceram a tentar a sorte no país. Fui parar no Sun Hei SC, de Hong Kong, para jogar como centroavante, posição carente no time.

Assinei contrato, levei minha família e comecei a fazer um gol atrás do outro.

Eu já estava mais experiente e a vida em Hong Kong era boa. Fiquei uns três anos no país. Só na primeira temporada havia feito 19 gols. Fui artilheiro da liga local [primeira divisão de Hong Kong].

Meu desempenho chamou a atenção do Yokohama Marinos, do Japão. Assinamos por um ano. Só que fiquei machucado por muito tempo, o que gerava desconfiança no clube.

Eu tinha um problema crônico no tornozelo e isso atrapalhou minha carreira. Estive prestes a assinar com o Bahia, inclusive, mas fui reprovado nos exames médicos.

Tive rápida passagem pelo Santa Cruz, quando perdemos a final do Pernambucano [em 2002]. Ia renovar contrato, mas apareceu uma aventura. Mais uma doideira.

Meu empresário enviou um vídeo para o Al-Saadi Gaddafi, filho do ex-ditador líbio Muammar Gaddafi (1969-2011). Ele era meia e dono do Al-Ittihad Tripoli, equipe do país.

O cara queria que eu jogasse ao lado dele. Fizemos até pré-temporada na Itália. Mas ao chegar em Trípoli, capital da Líbia, fiquei desesperado.

Os prédios velhos, muitos em ruínas, fizeram com que eu mudasse de ideia. Eu não poderia viver naquele país com a minha família, mesmo com todo o dinheiro que eles me ofereciam. Mas não me arrependo da decisão.

Logo depois meu empresário conseguiu uma vaga no futebol alemão. Foram dois anos bons no Oberhausen, jogando na segunda divisão.

Após breve retorno ao futebol brasileiro, fui jogar em Israel, no Bnei Sakhnin.

Eu não estava sendo muito aproveitado na equipe quando despertei o interesse do Hapoel Be’er Sheva, que estava na segunda divisão local. Pensei, “já estou em Israel, vou jogar a segundona?”

Mas alguns colegas disseram para eu não perder a chance, pois o time era um dos maiores de Israel e estava sob nova administração, que investiria muito para colocá-lo de volta na elite.

Minha ascensão foi meteórica. Fiz muitos gols e a torcida começou a criar uma identificação comigo. No primeiro ano fui artilheiro do campeonato. Subimos na temporada seguinte. Foi meu último grande momento no futebol.

As dores no tornozelo pioraram e tive que fazer uma cirurgia. Acabei decidindo me aposentar aos 35 anos, em 2010.

De volta ao Brasil, comecei a investir o dinheiro que ganhei no futebol. Tenho uma empresa de pintura eletrostática, construí imóveis e atuo no mercado financeiro.

Em dezembro daquele ano, estava indo a um pesqueiro com meu pai e meu irmão, que quis levar um isopor no carro. Para não ficar apertado, resolvi ir de moto.

Estava em uma avenida de Mauá (na Grande São Paulo) quando bati em um ônibus. Na verdade, isso foi o que me contaram. Não me lembro de nada. Entrei em coma e acordei cinco dias depois. Quebrei vários ossos e fiquei paraplégico. Não morri por pouco.

Isso afetou a mim e à minha família. Foi um período muito difícil, em que tive que me adaptar a essa nova vida em uma cadeira de rodas.

Tive que passar por longo tratamento e reaprender a engatinhar. Sofro até hoje com muitas dores e preciso tomar remédios para aguentar.

No ano passado recebi uma notícia de que torcedores do Be’er Sheva haviam feito uma vaquinha para me levar para lá. Eu não acreditei.

Entrar naquele gramado de cadeira de rodas e ver mais de 16 mil torcedores cantando meu nome foi emocionante. Algo que me fez ter certeza de que minha carreira havia valido muito a pena.

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