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Teresa Surita: Boa Vista, a crônica da tragédia anunciada

União não faz sua parte na crise dos venezuelanos

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É uma crônica da tragédia anunciada a notícia de que o governo Temer vai deixar caducar, nesta segunda (9), a medida provisória que libera recursos para o atendimento dos refugiados da Venezuela. Dos R$ 190 milhões liberados pela MP, R$ 98 milhões não foram empenhados, pois o governo lavou as mãos e não pautou sua renovação no Congresso.

Refugiados são a parte mais frágil de uma situação extrema. Expulsos pelas circunstâncias aterradoras de seus países, de onde não sairiam se não fossem obrigados, enfrentam toda a sorte de dificuldades nas nações que os acolhem.

Faço essa reflexão com pleno conhecimento de causa, pois, como prefeita de Boa Vista, sou testemunha do impacto das vicissitudes impostas pela crise migratória. Mapeamento recente realizado pela prefeitura mostra que 25 mil venezuelanos vivem na capital, o que representa cerca de 8% da população.

A situação se agrava rapidamente, com a entrada em Roraima de mais de 400 pessoas por dia, de acordo com a média dos últimos cinco meses. Entre os que já se encontram na cidade, 10% moram precariamente em espaços públicos. O número dos que chegaram de janeiro a maio foi 55% maior do que em todo o ano de 2017. Se a tendência continuar, até dezembro Boa Vista poderá receber mais 10 mil venezuelanos.

O ritmo de imigração, no entanto, pode ser ainda acelerado, uma vez que o mapeamento revelou que 82% dos homens que vieram sozinhos têm a intenção de trazer em breve suas famílias. Um dos cenários para o fim do ano é termos quase 60 mil venezuelanos vivendo em Boa Vista. 

Não se trata apenas de um problema municipal. Embora o município arque com despesas básicas de saúde —como vacinação, hospital infantil, tratamentos de surtos, remédios e exames—, a crise humanitária da Venezuela e a decorrente intensificação do fluxo migratório exigem resposta à altura do governo federal e dos organismos internacionais.

O Exército já implantou oito abrigos, e mais dois estão em construção. Nós continuamos fazendo a nossa parte, e com responsabilidade fiscal. Nos últimos dois anos, conseguimos ajustar o orçamento à nova realidade. Mas não se pode esquecer que Boa Vista tem o menor orçamento entre as capitais do Brasil.

A comunidade internacional é solidária no discurso, mas tem sido refratária à ajuda financeira. Foi captada apenas uma pequena parte dos US$ 46 milhões que deveriam ter sido canalizados para a implementação de um plano regional de ajuda aos principais países recebedores dos refugiados da Venezuela.

Nesse contexto, a notícia de que mais de metade da verba do governo federal está prestes a ser perdida é um duro baque. Dois abrigos em construção ficarão inacabados. O hospital de campanha não vai se materializar. A prometida interiorização do atendimento não passará de uma intenção.

Chegamos a uma situação-limite. Estamos à beira do colapso social. Pergunto-me, angustiada, o que vai acontecer com o fim da ajuda financeira do governo federal. Receio que, sem estrutura adequada para lidar com a situação, Boa Vista não resista seis meses sem a assistência que agora nos é sonegada.

Teresa Surita

Prefeita de Boa Vista (MDB) e ex-deputada federal por Roraima (1991-1992 e 2011-2012)

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