"Chinês não faz piada. Não façam piadas com eles porque eles não vão entender", adverte a chinesa Huang Ying, conhecida como Sharon, aos cerca de cem voluntários que irão receber a delegação chinesa Huang Ying olímpica no Clube Pinheiros. "E não estranhem, a gente fala de boca cheia e faz barulho quando come; quanto mais barulho, mais gostoso."

A palestra de "tradução cultural" foi parte da preparação dos voluntários que irão ajudar os 370 chineses, entre atletas, técnicos e oficiais, que começam a chegar ao Pinheiros no dia 22 de julho e ficam até 14 de agosto.

Maior clube da América Latina, com 38 mil sócios, o Pinheiros recebeu US$ 3,5 milhões do governo chinês para que os atletas de 15 modalidades (de esgrima a natação) possam treinar em seu complexo poliesportivo.

	Lalo de Almeida/Folhapress
	Operário trabalha na reforma de uma das quadras de tênis do Pinheiros

Toda a delegação vai ficar hospedada em um hotel nas proximidades do clube, que fica no Jardim Europa, área nobre de São Paulo.

A preparação no Pinheiros é intensa: além de cursos para os voluntários durante cinco sábados (dos quais a reportagem participou), o clube está fazendo diversas reformas exigidas pelos chineses, finalizando o cardápio e reforçando a segurança.

No salão de festas do clube, será montado um ringue de boxe, uma área de convivência e um refeitório. A piscina externa vai ganhar aquecimento para o treinamento do nado sincronizado. O ginásio de ginástica artística receberá um novo tablado, Gymnova, de R$ 300 mil. Quadras de tênis de saibro estão sendo transformadas em quadras rápidas. O tênis de mesa será montado no ginásio de handebol. E em quase todas as áreas onde os chineses vão treinar, haverá instalação de mais iluminação.

	Ricardo Bufolin/ECP/Divulgação
	Piscina do Pinheiros durante o Troféu José Finkel de Natação, em agosto de 2015

Os atletas chineses virão com um chef, que trará vários tipos de temperos típicos do país. Todas as refeições terão ovo: peixe com ovo, carne com ovo, frango com ovo. Amostras da comida serão armazenadas por dois a três meses para testes antidoping.

Os chineses terão horários específicos para treinar: duas horas de manhã e duas à tarde. Mesmo assim, o clube conta com a possibilidade de mau humor entre os sócios.

"Com certeza, o sócio que nunca fez um exame médico na vida vai inventar de nadar bem na hora em que os chineses estarão na piscina", diz a sócia Renata Campos, uma das coordenadoras do programa de voluntariado.

Pensando nisso, os voluntários foram treinados até em mediação de conflitos, conforme explica a instrutora: "Quando o sócio chegar gritando que paga mensalidade cara e agora não pode usar a quadra, é preciso deixar a pessoa desabafar, demonstrar empatia, mas explicar que o clube tem ganhos importante ao receber os chineses."

Para Arnaldo Luiz de Queiroz Pereira, diretor de esportes do clube, "não é só o dinheiro". "Trata-se de momento histórico, teremos aqui atletas ilustres, é uma oportunidade maravilhosa para o sócio do clube, cuja essência é a excelência em esportes."

As equipes de levantamento de peso, badminton e tênis de mesa chegam com campeões mundiais ou olímpicos. O nadador chinês Sun Yang, bicampeão mundial dos 1500 metros e campeão olímpico dos 200 e 400 m livre, também vai treinar no Pinheiros.

O nadador de 1,98 m já se envolveu em várias confusões. No Mundial de Esportes Aquáticos na Rússia, em 2015, Sung teria puxado a perna da nadadora brasileira Larissa Oliveira, que é do Pinheiros. Ela foi tirar satisfação. Ele enfiou o dedo na cara dela e tentou chutar e dar cotovelada na brasileira.

"Nos preocupamos com a diversidade cultural, esperamos que os chineses se adaptem por aqui", diz Pereira.

	Marcelo Justo/Folhapress
	O ginasta Diego Hypolito treina no Pinheiros em 2013

Para o nadador Gustavo Borges, medalhista olímpico do Pinheiros que ajudou a treinar os voluntários, isso não deve ser problema. "Nós, atletas, somos iguais no mundo inteiro, estamos sempre com fome e cansados."

Segundo o diretor Pereira, outra preocupação é a segurança, já que será evento com ampla cobertura de mídia. O tema foi abordado em uma palestra para os voluntários com um oficial do Exército.

"Brasil nunca foi alvo de terrorismo, mas ao sediar os Jogos, trazemos para dentro de nossa sala pessoas de países que são alvo", disse o oficial, que não quis se identificar. Em sua fala, ele explicou as ameaças representadas por facções terroristas como Al Qaeda e Estado Islâmico.

"Mas a (presidente afastada) Dilma não deixou essa turma aí abrir embaixada em Brasília?", disse uma voluntária. Mesmo diante de apupos, ela não capitulou. "Eu vi numa reportagem."

O clube contratará mais seguranças e contará com o reforço do policiamento público. Mesmo assim, pode ser um desafio. Em maio de 2016, 8.963 pessoas entraram por dia no clube (fora os 1.200 funcionários). O Pinheiros tem 325 câmeras e muitos agentes de segurança, mas na maioria das vezes, lidam só com ocorrências como colisões no estacionamento.

"Será ótima experiência para o clube, vamos criar a cultura do voluntariado e ter contato com os melhores atletas do mundo", diz Renata.

Segundo a chinesa Sharon Huang, que é sócia da escola Made in China, os Jogos são o evento esportivo mais importante para os chineses. "É a nossa Copa do Mundo."

"Eles sempre querem ficar à frente dos EUA em número de medalhas de ouro; se ganham prata ou bronze, é como se fosse uma derrota."

Dos US$ 3,5 milhões que o clube vai receber, cerca de R$ 1 milhão será gasto em aluguel de equipamentos, alimentação e adaptação de espaços. O restante vai para um fundo criado pelo clube.

Segundo Pereira, os recursos serão usados em alguma obra grande que ficará como legado, como ampliação do centro esportivo, centro de fisioterapia, reformulação da sede social ou salão de festas.

	Eduardo Anizelli/Folhapress
	A triatleta Bia Neres treina no Pinheiros, em 2013