Fracassa leilão da Vale

Governo perde guerra judicial e marca nova tentativa para quarta

Agência Folha e AJB 29/04/97 23h34
De São Paulo

Vale O governo levou a pior na batalha jurídica em torno do leilão de privatização da Companhia Vale do Rio Doce. Às 21h06, o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Romildo Bueno de Souza, indeferiu um recurso do governo e, assim, manteve a validade da liminar que impedia a venda. O BNDES não teve outro jeito a não ser anunciar o cancelamento do leilão nesta terça. À noite, o banco informou que o leilão foi marcado para quarta, às 10h, "se não houver óbice judicial".

A liminar concedida pela 6ª Vara Federal de São Paulo era considerada pelo governo o principal obstáculo à realização do leilão no Rio. O Conselho do TRF-SP só deve se reunir no dia 8 ou 9 de maio. A decisão do STJ foi a última derrota no dia em que o governo foi alvo de uma enxurrada de liminares.

Ao saberem da notícia, manifestantes do lado de fora da Bolsa do Rio cantaram o hino nacional e comemoraram a derrota momentânea do processo de privatização da Vale do Rio Doce como se fosse um jogo de futebol.

O governo passou o dia tentando realizar o leilão e entrou no começo da noite com dois recursos no STJ. O principal deles se chama suspensão de segurança de liminar, para retirar o maior de todos os empecilhos jurídicos ao leilão: a liminar concedida pela 6ª Vara da Justiça Federal de São Paulo.

Às 18h03, o presidente do BNDES, Luís Carlos Mendonça de Barros, havia dito ter uma "carta na manga" que seria mostrada às 18h30 para vencer a "guerra de liminares". Os advogados do governo tentaram ao máximo despistar os jornalistas para não ser necessário divulgar o teor dos recursos.

Mendonça de Barros criticou o que chamou de "liminares em cascata" e disse que os 120 advogados do governo passaram o dia "tapando buracos na areia". Ele se referia ao fato de, para cada liminar que o governo conseguia cassar, as diversas Varas Federais pelo país, concediam outras.

Pouco depois das 10h, horário marcado para início da venda, um oficial de justiça entregou na Bolsa de Valores uma nova liminar, impetrada pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo e concedida pela 18ª Vara Federal de São Paulo. Com isso o leiloeiro declarou o leilão suspenso.

Até a chegada desta nova liminar, o vice-presidente do BNDES, José Pio Borges, dizia que ainda não haviam sido derrubadas três liminares, uma de São Paulo e duas do Rio de Janeiro. A assessoria do banco informou que às 11h50 dez liminares impediam o leilão de privatização. Às 14h50, dos 14 pedidos de liminares concedidos, 9 já haviam sido cassados. Às 17h, o BNDES contabilizava 11 liminares impedindo o leilão.

Dois oficiais da Justiça e dois agentes da Polícia Federal, armados, estão desde as 11h, no pregão da Bolsa de Valores para impedir que o BNDES dê início ao leilão. A estratégia do banco era abri-lo e suspendê-lo para reiniciá-lo assim que as liminares fossem todas cassadas. Os procuradores da República Geísa de Assis Rodrigues e Newton Penna estão na BVRJ para acompanhar o cumprimento das decisões que suspendem a privatização da Vale do Rio Doce. Eles foram enviados por determinação da Procuradoria Geral da República no Rio.

Também às 11h, a juíza do Tribunal Regional Federal do Rio, Tania Heine, cassou três liminares concedidas na segunda (28) pela 23ª e 7ª Varas Federais. Em seu despacho, a juíza argumentou que duas liminares apresentavam argumentos antagônicos. Segundo o despacho da juíza, enquanto uma liminar alegava que o edital de venda da Vale prejudicava empresas nacionais, a outra liminar dizia que as empresas internacionais eram as lesadas.

Na única liminar da 7ª Vara que foi cassada, a juíza alegou que os réus não tinham poderes para realizar acordos perante o juiz na audiência de conciliação, marcada para dia 20 de março.

Leilão pode começar
5 minutos depois de decisão

O presidente da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, Fernando Diniz, afirmou que espera apenas pela ordem do BNDES para iniciar o leilão de privatização. O pregão da BVRJ se encerrou às 17h mas continua mobilizado para uma eventual realização do leilão. O governo vai se esforçar para realizá-lo até a meia-noite. Se até lá a batalha jurídica não for vencida, será necessário um novo edital, o que atrasaria a venda da Vale em pelo menos uma semana.

Liminar de SP
é o principal obstáculo

A liminar mais difícil de derrubar, segundo José Pio Borges, é a de São Paulo impetrada pelo jurista Celso Bandeira de Mello, "muito bem fundamentada".

No Tribunal Regional Federal de São Paulo, foi negado o pedido de agravo de instrumento contra esta liminar concedida pela 6ª Vara Federal. A juíza Diva Malerbi não quis dar entrevista sobre a decisão de manter a liminar.

Vencido este recurso, os advogados do BNDES entraram com agravo regimental, no Tribunal Regional Federal de São Paulo, para que a decisão do vice-presidente do TRF-SP, Jorge Scartezzini -que manteve a liminar-, seja reconsiderada.

A decisão ficou então para o Conselho Especial de Juízes do Tribunal que deverá se reunir para decidir a respeito da questão. A intenção era realizar a sessão nesta terça mesmo. Para que isso acontecesse era necessário que estivessem reunidos pelo menos 18 dos 27 juízes.

Scartezzini consultou os proponentes da ação na 6ª Vara sobre a possibilidade de se fazer a convocação verbalmente mas a proposta não foi aceita. A convocação dos juízes terá de ser feita por carta. Com isso, o Conselho só deve se reunir no dia 8 ou 9 de maio. A liminar da 6ª Vara é considerada o principal obstáculo ao leilão.

Mesmo com esta decisão negativa, ainda não se esgotaram os recursos para que o governo tente realizar o leilão ainda nesta terça.

Ações vão correr mesmo que leilão seja realizado

De acordo com os especialistas, mesmo que o governo derrube estas liminares e consiga realizar o leilão nesta terça as ações vão continuar correndo na Justiça. Se o governo perder, a venda será considerada nula e os cofres públicos terão de arcar com indenizações que teriam de ser pagas aos compradores.

Choque entre PM e manifestantes deixa 17 feridos

Manifestantes contrários à venda da Companhia Vale do Rio Doce entraram em confronto com a Polícia Militar por volta das 10h30 desta terça-feira no centro do Rio. Pelo menos 17 pessoas ficaram feridas, entre elas sete jornalistas, segundo a PM. O Jornal Hoje da TV Globo afirmou que o incidente deixou 24 feridos.

O conflito começou quando a tropa de choque da PM passava perto dos manifestantes, que estavam na frente da Assembléia Legislativa e tentavam bloquear a rua 1º de Março. As tropas têm a incumbência de impedir que manifestações chegem à porta do prédio da Bolsa de Valores do Rio Janeiro, na Praça XV, onde vai ser realizado o leilão de privatização.

Os manifestantes, chamando os policiais de "assassinos", jogaram paus e pedras nos policiais que revidaram com bombas de efeito moral. Foi acionado um carro de choque da PM, o "Brucutu", que chegou a jogar água nos manifestantes. Em seguida, a marcha foi paralisada e o carro da PM recuou.

Este foi o segundo confronto do dia. Por volta das 8h30 um grupo de estudantes também tentou se aproximar do prédio da Bolsa e foi impedido pelo batalhão da PM que faz a segurança do local. Cerca de 800 homens estão envolvidos nesta operação.

Alguns estudantes em frente à Assembléia Legislativa tentaram várias vezes romper o cordão de isolamento e invadir a área protegida por policiais militares. Os deputados presentes à manifestação subiram no carro de som e pediram aos estudantes que não ultrapassassem a barreira, para evitar confronto com a polícia.

O batalhão de choque da PM ameaçou lançar bombas de efeito moral se os estudantes invadissem o local. Alguns militantes do PT, PDT e PC do B estão armando um cordão de isolamento com as próprias bandeiras, tentanto, assim, impedir a ação dos estudantes mais afoitos.

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