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REFLEXÃO


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urbanidade
06/10/2004
Os votos de Soninha

Domingo à noite, quando recebeu, por um telefone público hospitalar, a notícia de que tinha sido eleita vereadora, Sônia Francine, a Soninha, não conseguiu comemorar. Naquele momento, no Hospital das Clínicas, o que estava em disputa não eram votos, mas muito mais do que isso -disputava-se a vida de sua filha. "Entrei na pior das batalhas, em que a derrota não dá segunda chance."

Faltavam dez dias para as eleições quando Soninha foi informada pelos médicos de que Júlia, de sete anos, sua filha mais nova, deveria ser imediatamente internada. Diagnóstico: leucemia. "Um buraco se abriu chão, fui caindo como se não pudesse me agarrar em nenhum lugar."

Desnorteada, ela encostou os projetos políticos, desmarcou todos os compromissos eleitorais e tratou de se concentrar nas recomendações dos médicos: fazer o possível para manter o equilíbrio emocional. Sinais de descontrole apenas deixariam a menina ainda mais insegura e talvez dificultassem o tratamento médico.

Começou a ler textos sobre a leucemia e seus tratamentos, que, muitas vezes, são um suplício para os pacientes. "Quando não agüentava aquela angústia, saía correndo do quarto do hospital e ia chorar no corredor."

Ao recorrer ao site de campanha para explicar as razões do sumiço, Soninha, involuntariamente, fez daquele espaço virtual um depositário de outros tipos de voto -os desejos de cura. "Compartilhar a dor foi o jeito que encontrei de enfrentá-la melhor." A eleição só não terminou ali porque os amigos se dispuseram a ajudá-la.

Como ela tinha decidido não poluir ainda mais a cidade com cartazes nos postes, temia-se que a falta da candidata aos eventos fizesse desmoronar a campanha exatamente na reta final. De vez em quando, algum amigo dava-lhe uma informação sobre a disputa. "Diante do que estava passando, a eleição não tinha tanta importância."

No domingo à noite, os amigos não sabiam se deveriam cumprimentá-la ou se deveriam disfarçar o clima de comemoração. Soube, pelo telefone público do hospital, que tinha obtido mais de 50 mil votos. "Venci essa pequena batalha. Vou vencer agora a batalha da minha filha."


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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