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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
18/09/2006
A desconhecida lição das mulheres solteiras

Pesquisa mostra que estudo é um estímulo ao progresso profissional feminino, mas não ao enlace matrimonial


As mulheres com curso superior completo têm mais dificuldade de casar - ou, então, preferem ficar sozinhas- do que aquelas com baixa escolaridade. Na faixa dos 20 aos 29 anos, das 686.997 mulheres com diploma de ensino superior, 416.557 -60,63%- são solteiras. Entre as com menos de três anos de escolaridade, essa taxa desce para 21%. Entre 30 e 39 anos, para mulheres com nível universitário, o índice de solteirice é de quase 25%; nas de pouca escolaridade, é de cerca de 9%. De 50 a 59 anos, permanece a disparidade: 16% e 5%. Traduzindo a numeralha: o estudo é um estímulo ao progresso profissional feminino, mas não necessariamente ao enlace matrimonial. Isso ajuda a explicar por que, no Brasil, as mulheres mais instruídas têm, em média, apenas um filho. Para o demógrafo José Eustáquio Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, essa dificuldade matrimonial revela que, quanto maior é o nível educacional da mulher, menor é a importância conferida a casamento e filhos. A lição das mulheres solteiras é, segundo ele, um pequeno detalhe de uma tendência pouco conhecida -o "bônus demográfico". "O país nunca teve uma situação populacional tão favorável como agora. Se soubermos aproveitá-la, conseguiremos reduzir mais rapidamente a pobreza."

Em parceria com o demógrafo Miguel Bruno, com quem trabalha no IBGE, José Eustáquio lançou um estudo mostrando que a permanente queda da taxa de fecundidade -atualmente ela é de dois filhos por mulher- produz uma situação inusitada. Até o final da década de 60, as estatísticas indicavam seis filhos por mulher. Essa mudança diminui a pressão por mais gastos sociais para a infância, por exemplo. Tanto que a pressão hoje é menos pela quantidade de alunos na escola do que pela qualidade do ensino. Em alguns bairros de classe média, as escolas públicas estão subutilizadas, e muitas delas até fecharam por falta de matrículas. O "bônus demográfico", apontado pelos pesquisadores, é resultado de uma combinação: diminui a presença de crianças enquanto cresce apenas lentamente o número de idosos. Isso quer dizer o seguinte: são menos brasileiros, crianças ou idosos, dependentes, para uma crescente população economicamente ativa. "Isso não vai mais se repetir", acredita José Eustáquio. Para simplificar, basta imaginar uma casa cujas despesas são divididas por adultos, todos empregados. E que, depois de algum tempo, a metade deles já não trabalhe, mas as contas permaneçam as mesmas.

Esse "bônus" só vai ser produzido se, nas próximas duas décadas, tivermos um crescimento razoável, o que geraria mais renda e empregos. Já em 2030, de acordo com os cálculos dos dois demógrafos, a parcela de idosos vai aumentar rapidamente. Se já pagamos hoje 12% do PIB com aposentadorias, imagine então no futuro. O "bônus" significará também que os trabalhadores aposentados terão acumulado algum patrimônio a ser usado na velhice e, assim, se manterão consumidores ativos. Caso a chance seja perdida, o "bônus" inverte o sinal: além de demandarem mais recursos públicos, os idosos pouco contribuirão economicamente.

Esse é apenas mais um aspecto para mostrar o custo de não serem implementadas as reformas necessárias para aumentar o nível de emprego. A questão de fundo mais relevante dessas eleições é que perdemos várias oportunidades históricas, quando o Brasil era a nação que mais crescia no mundo: não se incluíram os ex-escravos na sociedade, não se investiu em educação básica, não se criaram mecanismos de distribuição de renda. Mais recentemente, aumentaram-se os impostos e a dívida pública, mas o investimento público caiu, e perdemos a chance de acompanhar a efervescência planetária, que, de acordo com muitas previsões, será arrefecida a partir do próximo ano -e, assim, corremos o risco de desperdiçar essa inusitada vantagem demográfica.

P.S. - Por falar em desperdício, é incrível que a questão populacional não faça parte, nem remotamente, dos debate eleitorais. Entre as famílias mais ricas e instruídas, a taxa de fecundidade é de um filho por mulher. Entre as mais pobres e menos instruídas, porém, é de seis filhos por mulher. Se apenas cumprissem a lei e disseminassem o planejamento familiar, o combate à miséria seria menos difícil. Esse é um dos nossos grandes crimes de omissão. Um ótimo exemplo veio, na semana passada, do Chile, onde se anunciou a distribuição gratuita da chamada "pílula do dia seguinte".

 

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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