REFLEXÃO


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folha de s.paulo
20/08/2007

A revolta dos medíocres

Em jogo: os indicadores de educação e a articulação da sociedade para impor mais eficiência ao serviço público

Está previsto para a próxima segunda-feira o anúncio de uma polêmica iniciativa para estimular o desempenho de funcionários públicos no Brasil: pagar mais para quem produz mais, algo corriqueiro na iniciativa privada, mas ainda um tabu no serviço público.

Uma das medidas do plano do governo paulista para melhorar o ensino público é premiar com dinheiro funcionários de vários setores da escola, do diretor ao faxineiro, com base no desempenho dos alunos. Mesmo que, num ranking geral, o colégio não fique bem colocado, o esforço será reconhecido. A base de comparação são os indicadores internos de cada instituição, e não da rede de ensino; do contrário, seria uma injustiça com os professores que trabalham na periferia.

Já na próxima sexta-feira, professores reúnem-se na praça da Sé para, entre outras queixas, reclamar desse sistema de mérito. Imaginam conseguir o apoio de sindicatos das demais categorias e, assim, influenciar também os políticos.

O que está em jogo por trás dessa briga não são apenas os indicadores de educação, mas o grau de articulação da sociedade para enfrentar as corporações e impor mais eficiência ao serviço público. Testa-se, em suma, a capacidade de medir desempenho e saber como vem sendo usado o nosso imposto.

Cálculos divulgados na semana passada informam que cada família vai pagar, neste ano, R$ 626,41 apenas com a CPMF; estima-se que o total arrecadado com essa taxa seja de R$ 34 bilhões. O governo alega que não pode viver sem esse imposto, cujo "p", vamos lembrar, é de provisório.

Quando verificamos as contas apenas do governo federal, vemos que, comparando o semestre do ano passado com o mesmo período de 2007, houve um aumento de R$ 13 bilhões. Desse total, R$ 6,2 bilhões foram a mais para o funcionalismo.

As despesas com os programas de renda mínima, que atingem muito mais gente (e, diga-se, gente muito mais pobre), foram de R$ 1 bilhão, bem menos, portanto, do que os gastos com os servidores.

Como saber se esses suados (e supostamente provisórios) R$ 626,41 estão valendo a pena? Seriam eles mais bem utilizados se ficassem nas mãos das famílias?

Costumo reduzir esse debate a um único indicador: damos mais de quatro meses de salários para manter os governos e só 5% dos alunos deixam o ensino médio com conhecimento adequado de português.

Fecho com os dirigentes dos sindicatos quando eles dizem que a culpa da baixa qualidade de ensino não pode recair apenas em cima dos professores. Quem freqüenta escolas públicas vê as salas empanturradas, a violência, os baixos salários, a dificuldade de dar reforço aos que não aprendem. Não é à toa que tantos professores fiquem tão doentes, com crises de ansiedade e depressão. Considero um crime o massacre desses profissionais que, sem estímulo, dificilmente serão exemplo de paixão pelo aprendizado.

Tenho mostrado aqui os números sobre estudantes que não ouvem ou não enxergam. A secretária de Educação de Santo André, Cleusa Repulho, me disse ter descoberto que 12 alunos de sua rede tinham aulas de linguagem de sinais porque eram tidos como surdos, mas sofriam de otite grave. Descobriu também que alguns eram diagnosticados como retardados mentais, mas que, na verdade, estavam traumatizados com a violência doméstica.

Há anos, entidades médicas, munidas das mais apavorantes estatísticas, tentam convencer governadores e prefeitos -e o Estado de São Paulo não é exceção- do absurdo que é não cuidar da saúde escolar. Parece que dá mais prestígio construir prédios ou dar uniforme.

Em meio a esse caos, há muitos profissionais que se destacam pelo compromisso com seus alunos -esses certamente não têm motivo para se incomodar com avaliações e reconhecimento aos mais esforçados. A revolta contra o mérito é a revolta dos medíocres.

Há um fato, no Brasil, só explicável pela crônica ignorância nacional.

Tenho visto uma preocupação muito maior -muito maior mesmo- com a qualidade da educação pública por parte de lideranças empresariais, cujos filhos e netos estudam em escolas particulares, do que por parte dos dirigentes sindicais, cujos filhos estudam nas redes públicas.

Não percebem como tornar a educação melhor seria um salário indireto a seus associados e a melhor forma de qualificação de mão-de-obra. Exigir mais recursos para a educação e, ao mesmo tempo, pedir aos professores que produzam mais e melhor, premiando o mérito, é um mecanismo para ajudar justamente os filhos dos trabalhadores.

Nova agenda da educação de São Paulo
SP premiará escola que evoluir no desempenho e na gestão

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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