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REFLEXÃO

Para você, quem são os ícones da música popular brasileira?
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urbanidade
29/10/2003

Se o Fusca de Serginho falasse

Dirigindo seu Fusca branco, Serginho Groisman deu-se conta, de repente, do tamanho do desastre que seria para a música popular brasileira caso sofresse um acidente. Reduziu a velocidade e, inseguro, passou a dirigir tão devagar que irritou um dos passageiros. "Acelera, meu filho, assim ninguém aguenta", protestou Cartola, espremido, no banco de trás, entre Nelson Cavaquinho e Clementina de Jesus, três dos maiores ícones do samba, todos mortos.

Serginho levou quase todas as estrelas da música popular brasileira, muitas delas a bordo de seu temerário Fusca, para se apresentarem no Colégio Equipe. De 1971 a 1981, auge da ditadura militar, os shows se mesclavam a mesas-redondas e a filmes "cults". "Era um oásis na cidade, amedrontada pela ditadura", diz Serginho, que dirigia o centro cultural do Equipe, plataforma que o projetaria à televisão.

Esse "oásis" vai virar história pelas mãos do próprio Serginho, decidido a fazer um documentário sobre aqueles anos transgressores do Equipe, escola criada, no centro de São Paulo, por uma cooperativa de professores de esquerda. Não havia espaço culturalmente tão badalado, guardado na memória dos hoje quarentões, então descolados na juventude, orgulhosos de participar de uma modalidade de vanguarda. Por ali, passavam diferentes tribos: marxistas, guerrilheiros, hippies, alienados, roqueiros. "Trafeguei por todas essas tribos", diz Serginho, testemunha de prisões de alunos e professores, o que conferia ao ambiente o clima heróico da resistência.

A resistência política era temperada pela sensualidade. As meninas, de sandália de couro, vestiam-se com roupas folgadas e gritantemente coloridas, com detalhes floridos, e ajudavam os meninos a explorar praias quase virgens do sul da Bahia.
A programação cultural do Equipe misturava Caetano, Gilberto Gil, Cartola, Elba Ramalho, a turma dos Novos Baianos, Raul Seixas aos adolescentes, que, sem saber, iriam ter futuro, cantando, encenando, escrevendo, fotografando - muitos dos Titãs, por exemplo, estudavam no Equipe e ajudavam a colar na rua os cartazes dos shows.

Sergio está à cata dos registros fotográficos e filmes para, com os depoimentos, compor o documentário. "Não guardamos nada", lamenta. Não sabiam, afinal, que estavam fazendo uma das boas histórias de São Paulo, quando romanticamente se imaginava que, sem os militares, viveríamos livres da violência.




Coluna originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo, às quartas-feiras.

   
 
 
 

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