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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
30/01/2006
Uma vacina infalível contra a pobreza

Pesquisadores americanos acompanharam durante 40 anos a evolução de pessoas pobres e negras matriculadas num programa destinado a estimular crianças desde a pré-escola -ou seja, com menos de seis anos de idade. Considerei os extraordinários resultados daquela pesquisa o melhor assunto para inaugurar o primeiro mês da coluna de 2006. Afinal, estamos entrando em período eleitoral.

Esses estímulos educacionais desde a pré-escola produziram entre essas crianças pobres e, muitas vezes, discriminadas pela cor, alunos, trabalhadores e cidadãos melhores. Isso se traduz em maiores salários e menos dependência de recursos assistenciais, além de menor envolvimento com crimes.

O resumo da história, provado estatisticamente, é o seguinte: embora o retorno demore, poucas ações são tão frutíferas para a sociedade equalizar as oportunidades e combater a violência como investir em educação infantil. Se já sabemos que a educação é um dos melhores mecanismos de distribuição de renda e avanço da riqueza de um país, vemos agora com precisão matemática que esses benefícios são tão mais vigorosos quanto mais cedo as crianças receberem estímulos de aprendizagem -essa, na verdade, é uma sólida porta de saída contra a pobreza.

Por causa das eleições, um dos grandes debates brasileiros será em torno dessas portas de saída da linha de pobreza e da miséria.

No esforço de se manter na Presidência, o PT vai apresentar o Bolsa-Família como seu mais importante programa social, que vem reduzindo a miséria nos locais mais distantes ou desolados do país. É fato que nunca, em toda a nossa história, tantos pobres receberam recursos diretamente do poder público; é fato também que, embora não se possa medir com precisão seu resultado, os programas de renda mínima ajudam a melhorar a renda.

Um dos grandes -e pertinentes- debates que se levantam é até que ponto esses recursos estão favorecendo a autonomia dos beneficiários. Será que estamos criando mendigos oficiais, eternamente dependentes de assistência social? Embora o governo não queira reconhecer, milhões dos que recebem essa ajuda já não têm condições de recuperar o tempo perdido e, devido à baixa escolaridade, estarão condenados à marginalidade social. A ajuda faz, assim, sentido humanitário, mas com reduzido retorno para o enriquecimento efetivo de um país.

Quando se sobe o valor do salário mínimo -e ninguém, compreensivelmente, quer ser contra esse aumento-, ocorre um processo de transferência de recursos para os idosos, a maioria dos quais já não são economicamente produtivos. Mas, ao mesmo tempo, não é ofertado mais dinheiro para que as famílias pobres cuidem de suas crianças, dificultando-as de sair do círculo vicioso da carência.

Tal debate tem um caminho fácil -o emocional, muito a gosto dos políticos em geral, especialmente nas vésperas das eleições.

Afinal, o mínimo já é mínimo mesmo e os velhos aposentados vivem em situação lamentável. Como, então, não querer que recebam mais dinheiro?

O problema é que, numa discussão baseada em números (algo que, reconheço, aborrece), o que se deveria discutir são ações que, além de beneficiar os mais frágeis, ajudem a autonomia dos indivíduos e o aumento da riqueza coletiva.

Como todos sabemos, não há mais espaço para o aumento de impostos; aliás, só vai crescer a demanda da sociedade pela redução de tributos para estimular a produção econômica. Portanto, o que está em pauta não é aumento de gastos, mas sua racionalização. É uma tendência inescapável e, certamente, é o grande desafio brasileiro na área social.

Qualquer proposta para a redução da miséria será sempre capenga se não drenar mais recursos para o atendimento das crianças desde seu nascimento e, depois, para que tenham um ensino de qualidade. A alternativa a isso é a mendicância oficial -talvez até seja uma boa solução eleitoral, mas não é a melhor solução social.

P.S. - Minha aposta é que neste ano o que se discutirá, como nunca antes, não serão mais as prioridades sociais, mas como viabilizá-las sem jogar a conta nas costas dos cidadãos. Estamos entrando na era dos economistas e técnicos que, além de sensibilidade social, estudam gerência.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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