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Criatividade
10/09/2004

Tampas, canos, cabaças são transformados em
instrumentos musicais

Imagine instrumentos musicais feitos com chapinhas de refrigerante, canos de PVC, caixinhas de doce, troncos de árvore e velhas campainhas de telefone. No projeto Reciclagem, Misancene e Música, na comunidade Mangueiral, em Realengo (Zona Oeste do Rio) é assim: não há peça de lixo que deva ser desprezada. O que muitos jogam fora pode servir de inspiração e gerar novos músicos, que se aventuram por ritmos como maracatu, samba, funk e MPB. O padrinho, é claro, é o bruxo Hermeto Paschoal.

“Quando cheguei não sabia tocar nenhum instrumento, mas tinha vontade de aprender. Hoje sei tocar um pouco de tudo”, diz Marlon Maike, 11 anos, um dos 22 integrantes das oficinas, que acontecem na sede da Associação de Moradores da Carumbé (AMOCAR), parceira do projeto.

Das aulas, que acontecem duas vezes por semana, com oficinas de prática de conjunto e de construção de instrumentos, participam adultos, jovens e crianças da comunidade.

Mola de fogão vira reco-reco
A organização do projeto está nas mãos de quatro amigos. Eles resolveram que era preciso fazer alguma coisa pelo cenário sócio-cultural e pelo meio ambiente em Mangueiral. À frente da coordenação está o músico Marcelo Gularte, que retornou à comunidade após a perda de um irmão, vítima da violência.

"Fui criado no Mangueiral, depois morei na Zona Sul e, há cerca de dois anos, voltei pra cá, onde meu irmão viveu. Percebi que tinha que fazer alguma coisa para dar perspectiva aos jovens”, conta.

Entre os instrumentos que os alunos aprendem a confeccionar estão chocalhos feitos de coco, reco-reco de bambu, pau de chuva de cano de PVC, além de outros instrumentos de percussão. Entre eles, uma velha campainha de telefone e baquetas fabricadas a partir de galho de árvore e pedaço de borracha.


Nada é desperdiçado. Com a tampa do filtro de ar de um carro e uma mola de porta de fogão, por exemplo, foi feito um reco-reco batizado de trovão. "A sonoridade é estridente, parece uma guitarra distorcida", observa o professor de construção de instrumentos Carlos Henrique Gomes da Silva, 30 anos, o Cacá.

A matéria-prima é retirada do lixo. "A idéia é incentivar a coleta seletiva. Nós costumamos reunir um grupo, coletamos e trazemos os reciclados para a sede do projeto. Os participantes nos ajudam a escolher o que será utilizado", diz o coordenador e músico Marcelo Gularte. Durante as aulas, os participantes adquirem conhecimentos sobre cultura, história e educação ambiental.

Reciclar pessoas
As oficinas também dão espaço para a criatividade e a experimentação. "Nós, que trabalhamos com instrumentos artesanais, somos parecidos com os cientistas - estamos sempre pesquisando novas fórmulas”, diz Fábio Santos, de 29 anos, mostrando uma harpa africana que costumava ser tocada quando o chefe de uma tribo morria. “Mas ela era feita com outros materiais”, observa.

No Rio, o marfim foi substituído por braços de árvore de goiabeira e os pinos de afinação de madeira foram trocados por pinos de mesa de sinuca. “Enfim, tudo foi adaptado para as nossas possibilidades”, diz Fábio, um dos colaboradores do projeto.

O presidente da Associação de Moradores, Cláudio Peixe, 35 anos, conta que recentemente os moradores de Mangueiral passaram a guardar material reciclável para doar para as oficinas. "Tem menos lixo sendo jogado nos rios da comunidade", diz.

"As crianças ficam abismadas quando descobrem que é possível tirar som de um coco ou de um cano. O projeto fortalece a vontade de aprender", afirma. Cláudio sorri ao falar sobre os organizadores do projeto. "O mais engraçado é que somos amigos de infância. Éramos todos umas pestes, a gente brincava com tudo o que encontrava pela frente. Hoje eu sou presidente da associação, eles coordenam o projeto e tudo é feito na maior seriedade", afirma Cláudio.

Segundo o coordenador do Reciclagem, Misancene e Música, Marcelo Gularte, projeto surgiu diante da falta de recursos para a compra de instrumentos musicais aliada à preocupação com a preservação ambiental.

"Era preciso promover uma virada produtiva no cenário cultural de Zona Oeste, que estava estagnado. Os jovens queriam tocar, queriam participar, mas não tinham espaço nem dinheiro. Ao mesmo tempo, eu via um monte de lixo sendo depositado no rio, nas ruas, e isso me incomodava", diz.

Marcelo usa o conceito ambiental de forma bem ampla: "Quando falamos em reciclagem não estamos falando apenas do lixo, mas também de reciclar as pessoas, que se encontram sem auto-estima, sem perspectiva de vida, na posição de objetos. Temos o objetivo de mudar essa cena social através da música", assinala. Para colocar o projeto em prática, foi fundamental o engajamento de Cacá, morador de Mangueiral.

"Por falta de recursos, sempre fui um músico auto-didata. Queria aprender a tocar instrumentos, mas não tinha dinheiro para comprá-los. Então comecei a pesquisar outros timbres sonoros, a buscar maneiras de fazer eu mesmo os instrumentos, com peças que ia encontrando por aqui", diz o músico.

Cacá já andava pesquisando ritmos brasileiros quando mergulhou de cabeça na idéia de reunir músicos da comunidade que, como ele, fossem auto-didatas. O embrião do Reciclagem Misancene e Música foi o Código de Barra, projeto que promovia apresentações ao ar livre com alguns instrumentos de material reciclado. "O nome era uma referência aos músicos que eram barrados nos grandes eventos porque não tinham dinheiro, daí a palavra barra", explica.

O grupo - que reunia cerca de dez pessoas - pesquisava novas sonoridades e trabalhava em apresentações que misturavam artes cênicas e música. Os espetáculos aconteciam em espaços alternativos, como do lado de fora das lonas culturais. As pessoas que passavam podiam olhar a apresentação e tocar os instrumentos.

Força de Hermeto
A partir do Código de Barra, a pesquisa de novos ritmos se enriqueceu até virar o projeto atual. "A idéia foi tomando corpo, as crianças e os adolescentes foram se interessando", lembra o coordenador Marcelo. Ele conta que o pontapé inicial foi o primeiro lugar no concurso Ação Durban, voltado para o estímulo a práticas sócio-culturais.

O empurrãozinho final veio com uma carta de referência dada por ninguém menos que Hermeto Pascoal, que morava na Zona Oeste. "Ele fazia ensaios abertos em casa e já conhecia o nosso trabalho de pesquisa musical. Ao dar essa ajuda, acabou virando uma espécie de padrinho do projeto", lembra o coordenador Marcelo.

Com o primeiro lugar no concurso, o Reciclagem Misancene e Música teve financiamento durante cinco meses. "Agora estamos em busca de novos patrocínios", diz. Apesar de reconhecer que é dura a estrada para os músicos, o grupo conta com orgulho que a fabricação de instrumentos musicais só tem ganhado força nos últimos anos.

Prova disso é o trabalho realizado pelo artesão e contrabaixista Alexandre Braga, 30 anos. Nas mãos do músico, os instrumentos ganham sofisticação. Um cano de PVC se acopla ao miolo de uma velha flauta doce e a uma cabaça para dar origem ao ‘clarinete-cano’. Existe, ainda, uma variação desta fórmula, feita com um joelho do cano de PVC – o ‘sax-cano’.

“A sonoridade é única", diz o contrabaixista, que dá aulas particulares de fabricação e prática de instrumentos em Realengo e São Gonçalo (região metropolitana do Rio). Alexandre sonha colocar em prática seu próprio projeto em uma comunidade de Realengo, bairro da Zona Oeste, onde mora: "Acho importante que esse tipo de oficina atinja outras comunidades". Alguém duvida?

As infomações são do site EcoPop.

 
 
 

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