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livro-jogo
21/07/2004
Estudantes aprendem sobre meio ambiente brincando

Quando criança, Quézia da Silva Santos sempre ouvia que tinha o maior talento para o desenho. Sua paixão, porém, eram as aulas de Ciências. Hoje, aos 20 anos, ela pode dizer que conseguiu unir as duas coisas. Moradora de Manguinhos, ela emprestou seus dotes de desenhista para fazer o tabuleiro do livro-jogo de educação socioambiental Unidos Para Construir um Mundo Melhor. Lançado em abril com tiragem de 900 mil exemplares, pela editora Gaia, o livro é um exemplo de metodologia para introduzir a educação ambiental nas escolas.

A ilustração do livro foi feita quando Quézia tinha ainda 14 anos, e estudava na Escola Municipal Orsina da Fonseca, na Tijuca, zona norte carioca, durante as aulas extra-classe do Clube de Ciências. O projeto é fruto de um trabalho interdisciplinar e cooperativo, que ajudou a amadurecer valores de professores e de alunos como Quézia. Quem joga garante: o método passou no teste, provando que a temática ambiental pode ser abordada em todas as disciplinas.

O entusiasmo dos alunos com o projeto foi imediato. Para desenhar o tabuleiro, a estudante Quézia foi buscar inspiração no livro Agenda 21 para crianças. Após redesenhar cerca de 6 vezes uma roda de crianças em torno da Terra, ela chegou à versão definitiva que ganhou de vez "a concorrência". A recompensa foi boa. Além dos R$ 400 recebidos pelos direitos autorais e de ganhar dois kits do livro-jogo, ela passou a distribuir autógrafos.

Projeto da professora de biologia e chefe do Serviço de Pesquisa em Educação do MAST - Museu de Astronomia e Ciências Afins, Maria das Mercês Navarro Vasconcellos, a metodologia está afinada com a proposta do Ministério do Meio Ambiente de inclusão de temas ambientais de maneira transversal, como prevêem os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Segundo Maria das Mercês, o jogo mostra como a escola pode contribuir para a compreensão das causas, conseqüências e possíveis soluções de problemas socioambientais.

"Gostaria de auxiliar, com esse trabalho, na formação de um currículo em que as disciplinas sejam pensadas em função das questões levantadas pelas crianças", diz a professora. O objetivo do jogo é fazer professores e alunos perceberem "que educação ambiental não é uma disciplina, mas uma postura diante da realidade. É a educação em si", diz a professora, que há quatro anos utiliza o invento em escolas municipais, cursos e projetos no qual trabalha.

A idéia do livro-jogo surgiu a partir de um diagnóstico socioambiental feito com estudantes de 25 escolas públicas municipais, em 1997. Os alunos respondiam às seguintes questões: como você gostaria que fosse - e como se encontram hoje - o planeta, o Brasil, o lugar onde você mora e a escola. Eles deveriam responder, ainda, o que a escola pode fazer para mudar cada uma destas realidades.

O resultado da pesquisa mudou os planos de Mercês: "Alguns alunos falaram de pais que trocam crianças por um prato de comida, de pais que estupram os filhos. No Ciep próximo ao morro do Cantagalo, por exemplo, alguns acrescentaram ao questionário a frase: 'E por favor nos ajude'. Encarei isso como um pedido de socorro. Foi o suficiente para decidir que o projeto não ficaria só na pesquisa. Era preciso criar uma metodologia para trabalhar essas questões em sala de aula".

Mentir para si mesmo
Elaborada a partir de um ano de reuniões entre alunos e professores, a metodologia trata dos cinco principais temas detectados no diagnóstico: falta de água potável e poluição da água; diminuição da biodiversidade; fome; consumismo e produção de lixo; e abandono da educação. No jogo, coerente com a proposta de construção de um planeta mais solidário, não há competição, mas cooperação. A luta que se trava é de todos os jogadores contra o tempo.

O objetivo é conseguir virar, em uma hora, todas as 32 cartas que representam os principais problemas do planeta, a partir do erro ou do acerto de questões propostas. Mas o jogo não é só para quem sabe solucionar problemas. Ele também coloca em questão valores e atitudes dos participantes. Neste caso, a resposta da maioria é que conta para virar ou não o cartão do problema para o lado da solução correspondente.

A primeira edição do livro-jogo foi viabilizada após encomenda de 500 exemplares pela ONG CAMPO - Centro de Assessoria ao Movimento Popular, que realiza o projeto de educação ambiental Convívio Verde em escolas municipais no entorno da Reserva Biológica do Tinguá. Antes, o jogo era feito de maneira artesanal.

Certa vez, quando jogaram com professores, todos afirmaram dar preferência a produtos que não agridem o meio ambiente na hora das compras. Era mentira. "Uma pessoa do grupo desmentiu a maioria, dizendo que esses produtos costumam ser mais caros. Então todos foram sinceros e, como nesse caso valia a resposta da maioria, a rodada foi perdida", conta Mercês.

Aluna ensina professor
Quézia ficou toda feliz quando viu o sucesso que seu desenho tinha feito: "No dia do lançamento, um professor me pediu para fazer até dedicatória! Eu nem estava esperando receber dinheiro nenhum. Gostava de chegar nas escolas e ouvir a Mercês falar para os professores que fui eu quem fez o desenho do tabuleiro. Na hora eu ficava meio com vergonha, mas na verdade isso era um presente para mim. Era engraçado ver que eu, uma aluna, estava ensinando os professores a jogar!", diverte-se ela.

Moradora da Vila dos Democráticos, na comunidade de Manguinhos, Quézia fez bom proveito do dinheiro recebido com o trabalho: ajudou o pai a pagar a conta de telefone e comprou roupas para ela e para a irmã Queila. "Desde que comecei a trabalhar, aos 17 anos, sempre ajudei em casa", diz ela. No currículo ambiental, Quézia contabiliza trabalhos no laboratório de cultivo de plantas da UERJ e na Agência de Desenvolvimento Local da Secretaria Estadual de Meio Ambiente. Mas foi no Clube de Ciências da escola que sua paixão ganhou mesmo impulso.

"Antes eu gostava do meio ambiente, mas não cuidava. No Clube aprendi a importância de se reduzir o consumo, reutilizar e reciclar os produtos. Quando vejo as pessoas jogando lixo na rua, escovando os dentes com a torneira aberta, me incomodo", conta. Quando a pia da cozinha de sua casa estava com uma goteira, ela foi a primeira a encontrar a solução até que seus pais, que trabalham como guardadores de carro, tivessem condições de pagar o conserto. "Ninguém estava ligando para o desperdício de água. Depois, quando a água falta, todo mundo reclama. Então eu tive a idéia de encher várias garrafas, só com o que saía da goteira, e usava tudo para lavar a louça", lembra.

Pipa e bola de gude
Antes do projeto, a estudante não via o ser humano como parte integrante do meio ambiente. "Agora sei que o homem faz parte, meio ambiente não é só a paisagem e me preocupo com isso no dia-a-dia". Quando criança, conta Quézia, ela era que nem um moleque: " jogava pipa, bola de gude, bola. Hoje em dia a maioria dos meus amigos está no mundo do tráfico, mas faço questão de chamá-los pelo nome, porque os apelidos que eles têm, ganharam quando viraram bandidos", lamenta.

Diretor da escola Orsina da Fonseca na época em que o livro-jogo estava sendo elaborado, Fernando Jesus Soeira, professor de Português, também aprova o invento. "É muito melhor fazer o aluno se sentir participante da situação do que ele receber uma situação já pronta. Assim ele tem a possibilidade de discutir uma coisa que acha importante. Em geral, o professor fica muito preso às suas matérias, e o jogo foi uma forma lúdica de demonstrar interdisciplinaridade", diz ele, que na disciplina de Português já falou da poluição visual provocada pelas pichações nos muros de casas e escolas.

Na hora de elaborar a metodologia, Mercês se inspirou nos conceitos do físico austríaco Fritjof Capra, um dos fundadores do Centro de Ecoalfabetização de Berkeley, na Califórnia, EUA. Assim como Capra, a professora está certa de que educação ambiental pode ajudar na construção de um mundo ecologicamente e socialmente sustentável. "A mesma lógica que leva ao desequilíbrio social leva ao desequilíbrio ecológico. Falo da lógica do capitalismo, da competição, da busca desenfreada por dinheiro.

Foi exatamente isso que o jogo quis demonstrar. É um processo difícil, mas várias escolas estão neste caminho. Para funcionar bem, é preciso ter um projeto político pedagógico, como o que foi feito na construção do jogo, onde todos opinaram", conclui. Com todo o sucesso do livro, Quézia continuou modesta: "Aconteceu de prevalecer o meu desenho, mas vários alunos também deram boas idéias". Ela sonha em ser biológa. Diz que desenhar "é lazer". E já procura uma terceira via. Neste segundo semestre, começa a estudar informática na faculdade da Vila Olímpica da Mangueira. "Ainda não desisti do meu sonho, mas acho que a Informática vai me dar mais oportunidade de trabalho".

JULIA DUQUE ESTRADA
do site Eco Pop

 
 
 

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