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mídia alternativa
05/05/2005

Jovens da periferia mostram o que pensam em fanzines

"É muito fácil falar, planejar, esquematizar, porém já passou da hora de sermos de fato protagonistas de nossas histórias. Até quando a verdadeira versão estará trancafiada em porões de baixa-estima, mar de lamentos e blá, blá, blá...? Vamos mostrar nossas caras pretas em todos os lugares, bombardear os guetofóbicos com nossa auto-estima, invadir as universidades e espaços públicos, pois para eles o gueto, a favela, a periferia é um lugar pavoroso, com pessoas feias e frias. Eu não me enquadro nesse rótulo e você?".

O editorial do fanzine* Mjiba (jovem mulher revolucionária, no dialeto africano shona, do país Zimbabwe) escrito por Elizandra Batista de Souza, 21 anos, traz palavras críticas sobre a realidade repleta de preconceitos as moradores das periferias das grandes cidades, mas convida à ação. É com esse espírito de mudança, que há mais de três anos, a jovem moradora do Jardim Noronha, na zona Sul da cidade, produz esse tipo de comunicação alternativa. Em suas páginas, é possível encontrar poesias de autores consagrados e de outros escondidos nos guetos da periferia, trechos de músicas, além de registros sobre pessoas que fizeram história no movimento negro.

Livros - comprados em sebos ou emprestados da biblioteca, por falta de verba - são a fonte de informação. A cultura negra estampa as páginas do fanzine. Liberdade de expressão é palavra chave nesta imprensa alternativa. "Há um desprezo pela cultura negra. Ela só é importante no Carnaval ou no dia 13 de maio [comemoração da Abolição da Escravatura]. E ainda perguntam porque dia 20 de novembro [Dia Nacional da Consciência Negra] tem que ser feriado!. Sei que não vou acabar com o preconceito pelo meu fanzine, mas tento que pelo menos mais alguém pense nessa problemática também. É uma questão mesmo de seduzir as pessoas para o lado bom das coisas. Se pelo menos uma pessoa que ler o fanzine e tiver uma ação diferente, já foi válido", conta a estudante, que agora faz cursinho para prestar vestibular em História, além de se especializar em Jornalismo.

"Eu pesquisava tanto sobre o assunto e não queria que isso ficasse somente guardado para mim. Tem tanta coisa boa por aí, mas a imprensa só mostra a violência. Por isso, queria divulgar o nome dessas personalidades negras e tinha o anseio de ver a produção da periferia em evidência. Além disso, queria mesmo cutucar as pessoas do meu meio porque elas, até pouco tempo atrás, não falavam sobre questões como preconceito, cotas. O que eu quero é mostrar para o próprio negro que ele é igual a qualquer outro. A igualdade ainda é esperança", comenta Elizandra sobre o que a motivou a produzir o seu fanzine.

O interesse pelo Hip-Hop também despertou esse desejo da jovem em colocar no papel o seu conhecimento sobre o assunto. "O Hip-Hop é formado pelo break, grafite, DJ e o Rap. Eu não sei cantar, desenhar, e pensei: 'vou ter que ser somente público?' Decidi então fazer um material que pode até servir para eles enriquecerem as letras de música também", conta.

Mas colocar o fanzine nas ruas não foi tarefa fácil. Sem computador em casa, Elizandra teve que pedir socorro a uma amiga que tinha uma máquina de escrever. Aos poucos, com a economia que fazia, conseguiu comprar o material para si. Cada moedinha guardada servia para pagar o xerox da produção. Apesar do fanzine ter se modernizado um pouco com a ajuda do computador e dos materiais que recebe de outros colegas, que encaminham sugestões, textos e até mesmo desenhos para ilustrar as capas do fanzine, as dificuldades financeiras - ela paga as 500 cópias que faz - para manter o fanzine são muitas. Isso acaba gerando uma quebra na periodicidade. Normalmente, o Mjiba sai bimestralmente ou, às vezes, num espaço de tempo ainda maior. Está na 15ª edição.

Apesar das dificuldades, a jovem não pretende parar de elaborar o seu fanzine, pois, a cada nova edição, é como se ela "tivesse ganhado asas". "Para mim, o fanzine foi o primeiro sonho realizado. É como se o meu pensamento tivesse ido realmente para o concreto", conta empolgada, lembrando o impacto que o Mjiba já gerou em alguns momentos. A jovem foi convidada a realizar uma oficina em Osasco, pelo Instituto Paulo Freire, sobre fanzine para outros adolescentes. Depois dessa atividade, um dos alunos da escola começou a elaborar o seu próprio fanzine. "Tem amigos que falam que o fanzine despertou a vontade de ler mais, outros decidiram escrever poemas, voltar a estudar e até usam o conteúdo para fazer trabalhos de escola. É uma troca muito gostosa, afinal, eu não sei onde meu fanzine vai parar, quem vai ler. Só depende de outras pessoas fazerem cópias e passar pra frente".

Por essa troca constante de informações, idéias e materiais, é comum os fanzineiros se conhecerem e formarem uma rede forte de contato, com amigos de todos os lugares do Brasil. Foi assim que a jovem Elizandra conheceu Valter Luis Lopes de Barros, o Walter Limonada, 30 anos, produtor do fanzine "Folhas de Attittudes", morador do bairro Silvina, na cidade de São Bernardo do Campo, São Paulo.

Assim como a escritora do Mjiba, Limonada também é fanático pelo Hip-Hop, tanto que a produção do seu fanzine começou depois de se tornar rapper, em 1992, apesar do interesse vir de longe, na época de histórias em quadrinhos, quando freqüentava ainda criança a banca de jornal do pai. Hoje, ele já tem dois CDs lançados - o último, chamado "Teimosia - é defeito ou qualidade?", foi às ruas em março desde ano, com todas as músicas de sua autoria - e participa do grupo R.U10 (Raças Unidas elevadas a 10ª potência).

Desde 1992, Limonada passou a se corresponder com fanzineiros de diversos locais, como Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Espírito Santo. Em 2001, o rapper decidiu criar o seu próprio fanzine, já que não encontrou em outras produções muitas informações sobre a sua cidade e a produção cultural da região. "Eu queria mostrar o trabalho dessa galera e o meu também, principalmente sobre o Hip-Hop. Essa é uma cultura universal. As pessoas acham que só fala de coisas negativas, como brigas, tiro, mas não. É bem diferente. Tanto que o nome do fanzine é justamente isso. A pessoa que ler, vai ter uma idéia e um dia vai tomar uma atitude. Afinal, isso fica na nossa cabeça", explica Limonada, lembrando as dificuldades iniciais.

"Às vezes, eu entregava para as pessoas e elas diziam: 'que negócio é esse assim, xerocado? Quando eu virava as coisas, elas jogavam no chão. Fiquei até desanimado com as críticas iniciais, mas depois, quando recebi um elogio de um colega, que tirou 10 num trabalho da escola com uma informação que eu havia escrito no fanzine, decidi continuar", se recorda. A partir daí, a caneta e o papel não saíram mais de perto da cabeceira da cama, pois, quando surge uma boa idéia, nem que seja de madrugada, Limonada corre para escrever.

Hoje o fanzine conta com diversos tipos de informação, apesar de seguir, conforme explica Limonada, um gênero crítico-sarcástico. "Gosto de dar 'alfinetadas' nas pessoas com os meus textos". É possível encontrar desde textos mais críticos, falando sobre a batalha dos grupos de Hip-Hop para encontrar apoio ou os péssimos programas da televisão brasileira, até homenagens a lideranças e pacifistas como Gandhi, informações sobre problemas de saúde causados pelo cigarro, efeito das drogas, reciclagem ou dicas a respeito de bons livros e sites com matérias interessantes. Todo mundo colabora, desde o vizinho, os participantes do grupo de Rap, e até o paizão, num momento de inspiração.

Mas, assim como a amiga Elizandra, o fanzineiro também encontra dificuldades financeiras para manter o Folhas de Attittude, que está na 11ª edição, com periodicidade bimestral, ou mais. "Digo que para fazer fanzine tem que ter amor pela coisa. Eu me dedico porque eu considero o fanzine como se fosse um projeto social porque, além de ser um trabalho voluntário, eu ajudo as pessoas a despertarem o seu senso crítico a partir dos textos. Além disso, no fanzine, a gente não fica preso a ninguém. É a opinião de cada um e pronto. Afinal, a liberdade de expressão é fundamental num país democrático como o nosso", acredita Limonada, que aponta a necessidade de se divulgar mais esse tipo de produção por toda a sociedade, partindo de uma atitude ativa dos próprios fanzineiros.

Ele mesmo já tenta, sozinho, fazer um pouco desse trabalho. Além de rapper, Limonada ataca de repórter em diversas publicações, como o Jornal Estação Hip-Hop, Revista Rap Brasil, além de ser colunista em seis sites sobre o assunto. Em cada show ou evento que participa, sempre distribui os fanzines para divulgar ainda mais essa produção alternativa. Agora, ensaia a elaboração de alguns textos para, quem sabe num futuro, lançar um livro. "É uma raiz que fomos criando aos poucos e a árvore já está crescendo e vai ter logo as sementes desabrochando. É a revolução cultural".

Curiosidade
A palavra fanzine vem da contração de duas palavras inglesas e significa literalmente 'revista do fã' (fanatic / magazine). Alguns estudiosos do assunto consideram fanzine somente a publicação que traz textos, informações, matérias sobre algum assunto. Quando a publicação traz produção artística inédita seria chamada Revista Alternativa. No entanto, o termo fanzine se disseminou de tal forma que hoje engloba todo tipo de publicação que tenha caráter amador, que seja feita sem intenção de lucro, pela simples paixão pelo assunto enfocado.

Por fanzine, entende-se a publicação amadora feita muitas vezes de forma artesanal (com colagens, impressos em mimeógrafos ou fotocópias). São editados quase sempre em pequenas tiragens e servem para a expressão livre de seus editores a respeito de qualquer arte ou hobby.Os fanzines tiveram início na década de 1930, nos Estados Unidos.

No Brasil, sua primeira publicação foi em Piracicaba, no ano de 1965, sob o comando de Edson Rontani. Este zine pioneiro chamava-se Ficção, e era o boletim do Intercâmbio Ciência-Ficção Alex Raymond. Nessa época, ainda nem se conhecia o termo fanzine por aqui, que só começou a ser usado de forma maciça no final da década de 70.

Fanzine é uma publicação impressa em que cada leitor pode ter seu exemplar, mas, com o desenvolvimento da tecnologia, a palavra fanzine já está sendo usada em trabalhos que não estão na forma de revista, como é o caso de páginas na internet ou CD-ROMs que são chamados de fanzine eletrônico.
Há vários gêneros dessa publicação, como música, literários, de cinema, além de quadrinhos. A elaboração dos originais da edição depende principalmente da visão do editor, sua capacidade de criar, de contatar outros criadores, de organizar todo o material disponível. A edição será reflexo da formação cultural do editor. Todo tipo de material é válido para compor a edição (HQs, poesias, contos, fotos, ilustrações, colagens etc).

Fontes: Livro: O rebuliço apaixonante dos fanzines, de Henrique Magalhães, publicado pela Editora Universitária da UFPB e artigo de Edgard Guimarães, que colabora com fanzines desde 1979 e participou do livro As Histórias em Quadrinhos no Brasil - Teoria e Prática, com texto teórico sobre fanzine.


DANIELE PRÓPERO
do site setor3

   
 
 
 

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