Até
2002, o agricultor Reinaldo de Lima Alves, 38, sua esposa
e seus dois filhos sobreviviam basicamente do cultivo de milho
e feijão. Com chuva, havia colheita. Sem chuva, a subsistência
dessa família ficava comprometida: o sítio de
Reinaldo está localizado no município de Afogados
de Ingazeiro – PE, no semi-árido nordestino,
região conhecida pela limitada quantidade de água,
principalmente para a produção agrícola.
Pensando nas necessidades de famílias como a de Reinaldo,
a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em parceria com
as ONGs Centro de Estudos e Projetos de Energias Renováveis
(Naper Solar), Diaconia e Articulação do Semi-árido
Brasileiro (Asa), desenvolveu o programa Água do Sol,
cadastrado no Banco de Tecnologias Sociais da Fundação
Banco do Brasil. O programa consiste em utilizar energia solar
para bombeamento da água de poços em pequenas
áreas de irrigação. “Ao utilizar
os métodos do Água do Sol, os agricultores do
semi-árido não ficam na dependência das
chuvas irregulares e podem ter até 98% de chance de
colheita”, garante Mário Farias Júnior,
técnico da ONG Diaconia.
Longe de ser apenas a mera doação de um equipamento
tecnológico aos homens do campo, a iniciativa integra
diversas tecnologias apropriadas ao semi-árido brasileiro,
o que promove a qualidade de vida dessas pessoas. Entre as
ações empreendidas, podem ser destacadas a produção
de eletricidade para movimentar bombas por meio do uso da
energia solar fotovoltaica, a técnica de irrigação
localizada que utiliza menos energia elétrica e otimiza
o uso da água, a utilização de culturas
consorciadas – alimentares e frutíferas –
cujo consumo de água é pequeno, e o cultivo
agroecológico.
Implantação do Programa
As primeiras instalações do Água
do Sol foram implantadas no ano 2000, em Alto do Pajeu, micro-região
pernambucana. O período de implantação
e acompanhamento é de um ano. Durante esses 12 meses,
o Naper Solar, orientado pela UFPE e em parceria com as outras
ONGs, fornece assistência técnica, acompanhamento
da instalação dos equipamentos e capacitação
dos usuários. Depois desse período, o próprio
usuário, e em alguns casos a associação
de moradores, vai gerir a instalação e também
os aspectos ligados à comercialização
dos produtos.
Reinaldo de Lima Alves é um desses beneficiados. Incluído
no programa há dois anos, ele declara, satisfeito:
“Antes, eu era só um agricultor. Hoje, eu me
sinto privilegiado e orgulhoso porque, além de agricultor,
também sou comerciante.” Com a ajuda do programa,
atualmente Reinaldo colhe goiaba, graviola, caju, maracujá,
mamão e laranja, além do feijão e do
milho que já vinha plantando no seu sítio de
meio hectare. Mais que produzir para a subsistência,
Reinaldo vende o excedente nas feiras livres, o que lhe confere
uma renda familiar em torno de 30 a 50 reais por semana.
Hoje, o programa atende a dez instalações familiares,
sendo a maioria localizada em Pernambuco. Ao todo, são
aproximadamente cem pessoas beneficiadas diretamente. De acordo
com o professor Heitor Scalambrini Costa, os resultados quantitativos
indicam que áreas irrigadas de ½ a ¾
de hectare de culturas frutíferas (graviola, pinha,
laranja, goiaba, mamão, maracujá), consorciadas
com culturas alimentares de ciclo curto, como o feijão
e o milho (três meses), vêm apresentando uma produtividade
acima do esperado, deixando técnicos, e principalmente
agricultores, motivados. “As repercussões sociais
são evidentes: há uma melhoria da qualidade
de vida, de alimentação, de saúde e no
poder de compra dessas pessoas”, avalia o professor.
O semi-árido
Gerais (11,01%) e o norte do Espírito Santo
(2,51%), ocupando uma área total de 974.752 km2. De
acordo com a Articulação do Semi-árido
Brasileiro (Asa), do ponto de vista hídrico, ainda
que o semi-árido sofra com os problemas de má
distribuição dessa chuva no tempo e no espaço,
não existe ano sem chuva.
O déficit hídrico ocorre por causa da escassez
de rios perenes, que garantam a qualidade e a quantidade de
água suficiente para a subsistência da população
local; por causa do baixo nível de aproveitamento das
águas das chuvas, pois os reservatórios existentes
são poucos e não adaptados, tendo sido utilizada,
até hoje, a tecnologia dos grandes açudes que
concentram a água em amplos e espaçosos reservatórios
(grandes espelhos de água) que facilitam a evaporação;
entre outros fatores. Ainda segundo dados da própria
Asa, existe aproximadamente um milhão de famílias
vivendo em condições precárias na região
do semi-árido.
Dentro desse contexto, Mário Farias Júnior,
da ONG Diaconia, considera: “Apesar das condições
naturais desfavoráveis, o programa mostra que é
possível ter condições dignas nessa região.
Os agricultores que fazem parte desse programa já conseguem
se auto-sustentar.” E conclui: “Acreditamos que
o investimento na capacitação desses trabalhadores
deveria se transformar em política pública.”
Em busca de recursos
Da Universidade do Pernambuco, o Água do Sol
recebeu o apoio de bolsistas que acompanharam o programa e
o pagamento dos custos com translado do corpo técnico
– recursos que proporcionaram as primeiras duas instalações.
Até o momento, em torno de 200 mil reais já
foram investidos nesse projeto, soma proveniente de fontes
governamentais e de ONGs.
O objetivo das entidades é ampliar o programa para
mais de 50 famílias. “Essa necessidade hoje corresponderia
a investimentos da ordem de um milhão de reais, incluindo
desde o projeto inicial, sua implantação, assistência
técnica e acompanhamento por 12 meses, com cursos de
capacitação”, projeta Heitor.
Atualmente, o programa Água do Sol está sem
apoio financeiro. Entre os anos 2003 e 2004, ele vem mantendo
apenas o acompanhamento por meio de visitas técnicas
aos projetos já implantados, anteriores a 2003, sem
incluir nenhuma nova família. Essas visitas são
pagas pelo próprio Naper Solar e entidades parceiras,
como associações de moradores e outras ONGs.
O professor Heitor Costa avalia que o programa corre o risco
de acabar caso não consiga obter os recursos necessários.
“O próprio Naper Solar, que era formado por professores
e pessoas que viviam também para outras atividades,
está passando por uma reformulação, e
pretende incluir profissionais que vão se dedicar exclusivamente
a esse projeto, o que vai facilitar na captação
desses recursos”, acrescenta.
Os interessados em apoiar o programa poderão entrar
em contato com o Naper Solar pelo telefone (81) 9964-4366.
AMANDA VIEIRA
da Fundação Banco do Brasil
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