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Serra revive velho dilema entre ser contra ou a favor

OSCAR PILAGALLO
JULIA DUAILIBI

da Folha de S.Paulo

Cabelos desalinhados, José Serra discursava no palanque montado na Cinelândia, no Rio, quando chegou o presidente. A praça estava tomada pela multidão. João Goulart fez uma entrada apoteótica, no ombro de Augusto da Costa, um ex-integrante da seleção vice-campeã da Copa de 1950. Realizado em 23 de agosto de 1963, o comício homenageava Getúlio Vargas, morto nove anos antes. A noite era de Goulart e os dez oradores convidados deveriam se limitar a radicalizar a retórica em favor das reformas de base, a principal bandeira do governo.

A euforia de Jango, no entanto, logo daria lugar à contrariedade. O jovem de 21 anos que estava ao microfone, presidente recém-eleito da UNE, fugia do script. Pela lógica, a entidade deveria se solidarizar com um presidente populista apoiado pelas esquerdas e sob pressão da direita. Não foi esse, porém, o sentido da participação de Serra no comício, sua estréia na política nacional.

O líder dos estudantes começou previsível. Bateu no governo norte-americano e chamou o presidente John Kennedy de inimigo do Brasil. Mas não poupou Jango.

Acreditava-se que Goulart faria intervenção em São Paulo e no então Estado da Guanabara, cujos governadores articulavam sua derrubada. Longe de se identificar com as forças reacionárias, Serra atacou a idéia da intervenção -por princípio democrático e por raciocínio político, pois achava que a ação desencadearia um golpe de direita.

Mais aplaudido do que Jango, segundo sua ficha no Dops (órgão de segurança que reprimia as organizações de esquerda), o estudante -com experiência de ator universitário- falou num dos pontos altos do comício, deferência desproporcional à sua importância. "Era para eu ter falado no começo, na hora em que o pessoal come pipoca, toma sorvete. Mas, involuntariamente, cheguei atrasado", contou à Folha 20 anos mais tarde (hoje prefere a versão de que o atraso foi estratégico).

O episódio encerra duas particularidades que Serra conservaria ao longo de sua vida pública: ser uma voz dissonante dentro do establishment ao qual pertence e perder a hora dos compromissos.

Apesar de recém-chegado ao palco principal da política, Serra não era um militante neófito. "Em São Paulo, a AP se desenvolveu a partir do meu trabalho no movimento estudantil, mas não fui um coadjuvante em nível nacional", disse ele à Folha.

Com um currículo desses, o presidente da UNE foi um dos perseguidos de primeira hora pelo regime militar iniciado em março de 1964. O golpe o pegou no Rio, onde morava, nos precários alojamentos da entidade.

Paulistano da Mooca, Serra não tinha para onde ir no Rio. Valeu-se da ajuda de seu vice, Marcello Cerqueira, hoje presidente do Instituto dos Advogados do Brasil. Cerqueira o levou para a casa de um médico recém-formado, Jacob Kligerman (hoje presidente do Instituto Nacional do Câncer), que o escondeu e lhe deu roupas. Por alguns dias, Serra permaneceu desconectado do mundo exterior, sem poder nem ao menos se comunicar com a família.

Após breve período de clandestinidade, conseguiu entrar na Embaixada da Bolívia, onde ficou confinado por três meses. De lá, partiu para o exílio de 14 anos que marcaria profundamente sua formação pessoal e intelectual. Serra chegou a morar na França, mas foi no Chile e nos Estados Unidos que passou a maior parte do tempo.

No exterior, após ter sido impedido de concluir o curso de engenharia na Politécnica, enveredou de vez para a economia.

Cursou a Escolatina (Escola de Pós-Graduação em Economia da Universidade do Chile) e lecionou matemática para economistas, num instituto da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe), órgão da ONU.

Foi no Chile que Serra trabalhou ao lado do sociólogo Fernando Henrique Cardoso e conheceu a economista Maria da Conceição Tavares -duas influências que, então, não eram conflitantes. Vem dessa época sua convicção num modelo econômico desenvolvimentista que o tornaria o maior crítico, dentro do governo, de um certo liberalismo que caracterizou a presidência de FHC.

Foi no Chile, também, que Serra conheceu sua futura mulher, a então bailarina Sílvia Mônica Allende, e viu nascerem seus dois filhos, Verônica e Luciano. O menino era um bebê quando, em setembro de 1973, o golpe do general Pinochet abortou o governo socialista do presidente Allende e colocou a direita no poder.

Depois de ser encaminhado ao Estádio Nacional de Santiago, onde muitas pessoas foram executadas, e de passar oito meses na Embaixada da Itália, Serra partiu para novo exílio, dessa vez os EUA -a pátria de "inimigos do Brasil" da sua retórica de anos antes.

Nas universidades de Cornell e Princeton complementou o estudo acadêmico e estreitou os laços de amizade com Fernando Henrique.

Os golpes de 64, no Brasil, e o de 73, no Chile, foram pontos de inflexão fundamentais na formação ideológica de Serra.

Ele considera que, após esses revezes, intensificou a restrição ao populismo, valorizou mais a estabilidade econômica e se preveniu contra o voluntarismo excessivo -"e olhe que eu sou voluntarista".

No período, deslizou da esquerda não-marxista para uma posição social-democrata, que defende até hoje.

O economista que voltou ao Brasil em 1978 -um dos poucos a ter se arriscado a voltar antes da anistia do ano seguinte- soava, portanto, bem mais moderado do que o estudante dos anos 60. José Serra estava pronto para entrar no "mainstream" da política.

Tentou se eleger deputado pelo MDB, mas teve a candidatura impugnada. Passou, então, a lecionar na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), o maior celeiro de economistas de oposição.

Ao mesmo tempo, se engajou na coordenação da campanha de FHC ao Senado. Também trabalhou como editorialista na Folha e ingressou no Cebrap, principal ninho dos futuros tucanos.

Em 1983, Serra assumiu a pasta de Economia e Planejamento de São Paulo e, com um estilo centralizador, logo se tornou o principal secretário do governador Franco Montoro, ocupando amplo espaço político. Adiou projetos e cortou despesas, impondo uma política de austeridade para enfrentar a crise de endividamento.

Com essa bagagem, desembarcou em Brasília em 1984 para coordenar o programa econômico de Tancredo Neves, recém-eleito presidente pelo Colégio Eleitoral, depois de a campanha pelas diretas-já ter sido derrotada no Congresso.

Serra reivindica para si a primeira proposta consistente de abertura comercial, incluída no programa. Com a morte do presidente antes da posse, as idéias foram engavetadas. Quando finalmente disputou uma vaga na Câmara, em 1986, já era um nome de projeção nacional. Na Constituinte, teve o maior índice de aprovação de emendas: 130, das mais de 200 apresentadas.

As mais importantes, em sua opinião, foram as que deram origem ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e a que viabilizou o seguro-desemprego. Parlamentarista convicto, Serra acredita que a Constituição, feita para esse regime, "ficou torta" com a vitória do presidencialismo.

No governo Collor, atuou como líder da bancada do PSDB na Câmara e se manteve distante do Executivo. Foi convidado e recusou substituir Zélia Cardoso de Mello no Ministério da Fazenda. O lugar no primeiro escalão federal só viria em 1995, com a posse de FHC, que o colocou no Planejamento a contragosto, após muita insistência por parte do ministro. A pasta imaginada por FHC para Serra era a Educação.

Não era mesmo uma situação confortável, pois, no ano anterior, Serra fizera reservas ao expressar seu apoio ao Plano Real.

Preocupado com o déficit público (que se tornaria o principal problema econômico do governo FHC), Serra criticou duramente a sobrevalorização do câmbio, a política de estímulo às importações e os juros elevados, que para ele eram custos desnecessários do plano. Os choques com Pedro Malan, da Fazenda, e Gustavo Franco, do Banco Central -os principais guardiões de uma moeda forte-, foram inevitáveis. Serra perdeu a batalha da desvalorização, mas conseguiu impor alíquotas a importações que melhoraram o perfil da balança comercial.

A corda, no entanto, arrebentou do lado de quem destoava, e Serra foi convencido por FHC a disputar, a contragosto, a eleição para a Prefeitura de São Paulo, em 1996, o que o afastou do debate sobre economia no governo federal.

Tendo ficado atrás de Celso Pitta e Luiza Erundina, que disputaram o segundo turno, Serra voltou a Brasília, para ocupar pela primeira vez a cadeira no Senado, que ganhara em 1994 com mais de 6 milhões de votos. Não chegou, porém, a esquentá-la.

Em março de 1998, assumiu o Ministério da Saúde, que seria a principal plataforma de lançamento de sua candidatura à Presidência da República com o apoio do Palácio do Planalto. Algumas de suas realizações -como a política de combate à Aids, a campanha contra o fumo e a introdução dos remédios genéricos- tiveram reconhecimento mundial.

Os adversários reconhecem em Serra consistência intelectual e competência. Quanto aos correligionários, acham que seria um bom presidente, embora para muitos ele não seja, necessariamente, um bom candidato, devido à antipatia que desperta em parte do eleitorado e até mesmo entre seus aliados.

O estilo de Serra também é uma incógnita, mesmo para a elite que o apóia. Tido como alguém que não compartilha o poder, Serra teria dificuldade em levar adiante arranjos partidários que garantiriam a eficiência e a estabilidade de seu governo. Por enquanto, o papel de agregador tem sido desempenhado sobretudo por FHC, o maior avalista do vôo do companheiro tucano.

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