Folha Online Ilustrada  
Crítica
12/11/2002 - 03h24

Kapuscinski mostra o que é ser jornalista na África

RICARDO BONALUME NETO
da Folha de S.Paulo


O leitor da imprensa escrita está comodamente acostumado a ler e rapidamente criticar o produto pronto, jornal ou revista, entregue na porta de casa antes do café da manhã. Ou comentar as imagens assistidas na televisão na hora do jantar. Textos, imagens fixas ou em movimento do outro lado do planeta aparecem como por mágica para o usufruto do leitor do confortável mundo ocidental.

Uma excelente maneira para começar a entender como se dá a "produção" desse material é ler os excelentes livros do jornalista polonês Ryszard Kapuscinski. Com uma enorme vantagem adicional. Seus livros não têm a linguagem estereotipada, simplificada, de um despacho de uma agência noticiosa.

Apesar de ele ter passado 40 anos na África escrevendo para uma dessas agências -ainda por cima, uma do cinzento bloco comunista-, seus livros podem ser classificados (como ele próprio o faz) dentro da vertente do "new journalism" de origem americana. Ou seja, um híbrido ente jornalismo e literatura, misturando fatos e notícias com técnicas literárias de descrição e narração para prender o leitor.

Acredite, Kapuscinski consegue atrair sua atenção. "Ébano - Minha Vida na África" é um "page turner", como diriam os americanos. Um livro que se lê rapidinho, virando página após página.

Em uma recente palestra em São Paulo, o autor revelou que leva um ano para escrever um livro, à velocidade de uma página por dia. Obviamente ele teria sido despedido faz tempo se esse fosse seu ritmo de produção para a agência estatal de notícias polonesa. Ele comenta que o jornalismo de agência envolvia uma "linguagem pobre", meras 600 ou 800 insatisfatórias palavras para descrever um fato.

Já no livro ele pode abusar de adjetivos, de impressões pessoais, de descrições do estado de espírito de pessoas, das cores do céu, altura das árvores e direção do vento, que jamais seriam permitidos pela sua agência. Ou, curiosamente, do calor. O tempo todo esse polonês branquela reclama do calor sufocante, embora elogiando a magnífica luz da África.

Kapuscinski -que já fez coberturas na América Latina, incluindo o Brasil em 1968- comenta em dado ponto como é tranquila a vida dos jornalistas que cobrem Europa, comparados com os abnegados que cobrem África. Ora, simplesmente chegar até a notícia no continente africano é difícil. Transmiti-la, então, pode ser uma façanha à parte. Sobreviver exige sorte e versatilidade, e neste livro Kapuscinski dá bons exemplos, sem parecer um metido a gostosão como era Ernest Hemingway quando fazia jornalismo.

Ele chegou ao continente pela primeira vez em 1957. Chegou no momento certo para começar a cobrir a história em rápido movimento. Aos poucos Kapuscinski foi conhecendo os grandes atores do momento, a geração de líderes africanos que conduziu o processo de independência. Mas o que mais o atraía não era visitar palácios presidenciais, mas sim "viajar de carona em caminhões, peregrinar com os nômades pelo deserto, me hospedar com os camponeses das savanas tropicais".

Kapuscinski viveu a descolonização da África, as esperanças que seguiram a esse momento e a desilusão das guerras, primeiro alimentadas pela Guerra Fria, depois por meros ódios tribais.

Ele reclama particularmente dos "senhores da guerra" africanos que exploram a população desarmada dos seus próprios países. Para ele, "o senhor da guerra é o oposto de Robin Hood. Ele rouba dos pobres para enriquecer e alimentar suas gangues. Nós estamos em um mundo no qual a miséria condena uns à morte e transforma outros em monstros".

Nem tudo é desgraça. O livro traz também descrições do lado eterno, mágico, da África. Da importância do espírito de coletividade entre o africano. E não falta humor, como no ensaio "Madame Diuf volta para casa".

Como jornalista, Kapuscinski tinha (e tem) uma grande vantagem. Por ser polonês, vindo de um país que historicamente costumava ser dilacerado por alemães, austríacos e russos, era fácil se identificar com os africanos. Por não vir de um país europeu imperialista, como França ou Reino Unido, também era fácil criar empatia com os locais, por mais diferentes que fossem (e isso ele deixa claro, não existe uma, mas muitas Áfricas). O mesmo vale para os raros brasileiros que visitam a África. Turistas ou jornalistas são sempre bem recebidos.

É importante destacar que a edição brasileira foi traduzida diretamente do polonês, como queria o autor. Foi uma ótima opção, pois o tradutor brasileiro fez um trabalho melhor que seu colega que fez a versão em inglês (editada como "The Shadow of the Sun"), acrescentando várias notas explicativas, sem as quais a compreensão do texto seria mais difícil -a não ser, claro, para aqueles que sabem de cor os nomes das colônias de férias soviéticas no Mar Negro.

 Serviço

Ébano - Minha Vida na África
Autor: Ryszard Kapuscinski
Tradutor: Tomasz Barcinski
Lançamento: Companhia das Letras
Quanto: R$ 37 (360 págs.)


   
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