31/01/2003
-
06h18
"Deus É Brasileiro" busca poética do imperfeito
JOSÉ GERALDO COUTO colunista da Folha
Deus (Antonio Fagundes) desce à Terra e, para justificar sua aparência prosaica ao primeiro homem que encontra -o borracheiro Taoca (Wagner Moura)-, diz: "Se fosse o deus das girafas, teria cara de girafa".
Eis a idéia subjacente a "Deus É Brasileiro". O homem cria Deus à sua imagem e semelhança. Humanizado, imperfeito, contraditório, cheio de vaidade e de ira, mas também de um amor infinito. E o Deus criado pelos brasileiros só pode ser um Deus brasileiro, integrado em sua cultura, em seu humor, em sua poética.
Cansado de cuidar das coisas do mundo, desiludido com a humanidade que estragou sua perfeita criação, esse Deus desembarca no Nordeste brasileiro disposto a achar um santo que fique em seu lugar por uns tempos.
Mas o primeiro homem que encontra, Taoca, é um pícaro brasileiro: ladino e generoso, ardiloso e sentimental. Da família de Macunaíma e João Grilo. É esse homem que acompanha Deus em sua jornada Brasil adentro, em busca do homem sem pecado.
Na estrada dá-se o contraponto cômico entre um Deus orgulhoso de sua obra e um homem que critica os defeitos do universo e propõe melhorias, feito Emília na "Reforma da Natureza".
"Deus É Brasileiro" cruza a tradição picaresca de origem ibérica com a do "filme-de-estrada" brasileiro, como "Iracema", "Central do Brasil" e, claro, "Bye, Bye, Brasil". Se "Bye, Bye" lamentava o fim de um certo Brasil, atropelado pela modernidade urbana, "Deus" é uma declaração de amor ao país torto que temos.
O que incomoda é a insistência em realçar "nossas belezas naturais". Mas há um momento em que o filme auto-ironiza esse seu pendor turístico. Na foz do São Francisco, Taoca diz a Deus: "Aqui o senhor caprichou, hein? Mas dá pra baixar um pouquinho o volume da música?".
Tudo somado, "Deus É Brasileiro" é uma saborosa farsa popular, ancorada no talento irresistível do jovem Wagner Moura e em cenas inspiradas, como a de Taoca e sua namorada vagando pelo mar numa canoa, vistos de cima, ao som de Djavan cantando Villa-Lobos. Uma poesia singela e brasileira.
Deus É Brasileiro Direção: Cacá Diegues Produção: Brasil, 2002 Com: Antonio Fagundes, Wagner Moura, Paloma Duarte Quando: a partir de hoje nos cines Butantã 1, Pátio Higienópolis 1 e circuito
Leia mais Deus de Cacá Diegues escapa da concepção religiosa e se humaniza Diegues fez roteiro de "Deus é Brasileiro" pensando em Fagundes
|
|