12/07/2001
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10h51
Versão de "Cambaio" em CD é bonita, mas não tem vivacidade
PEDRO ALEXANDRE SANCHES da Folha de S.Paulo, no Rio
Ouvir a trilha sonora de "Cambaio" é encontrar intactas as já muito conhecidas qualidades da dupla Chico Buarque/ Edu Lobo, mas a quem acompanhou o processo maior de espetáculo teatral mais trilha sonora compondo um musical de criação coletiva fica agora um certo travo de projeto abortado, de proposta que implodiu.
Entre os dados originais mais surpreendentes do musical, esteve o inédito encontro criativo entre as musicalidades de Edu Lobo e Lenine, mais um daqueles incandescentes embates entre tradição e novidade, sempre tão caros ao Brasil. Embalados pela direção musical de Lenine, Edu e Chico se vestiram de rock, de hip hop, de futilidades assim.
Agora tudo acabou. Sob produção de Edu, "Cambaio", o disco, é um produto pleno de delicadeza formal, mas desprovido de tensão, desprendido do tempo em que foi concebido. Poderia ter sido sempre assim, mas por que diabos então Lenine foi convocado para essa confusão?
Asséptico, o disco desinfeta até a participação de Lenine. A faixa-título, que na montagem bambeava em pernas-de-pau e machucava os ouvidos, abre o disco plácida, sussurrada, tipo pós-bossa. Se a intervenção de Lenine era algum golpezinho de Estado, o contragolpe está dado. O projeto se autodesmente, e tudo retoma um marchar seguro de quem tem duas pernas do mesmo tamanho.
Bem, nem tudo. Há golpes ébrios de invenção em "Cambaio", vindos mesmo da direção da dupla central. Dão-se nos detalhezinhos, como quando Chico se põe à vontade na autoridade poética que o peso dos anos cansou de lhe outorgar e se permite a travessura/infâmia de inventar o advérbio "roendo-as-unhasmente".
Isso se dá na engenhosa e metalinguística "Uma Canção Inédita", que ele próprio canta em intricada construção de arranjo. Mas o aspecto final é sossegado, nada de que se pudesse suspeitar pela impetuosidade do enredo, da montagem ou mesmo da letra.
Outro quitute de invenção é a faixa final, "Cantiga de Acordar", destinada a (não) resolver o impasse do trio central de personagens, de modo que eles se confundam e formem um só e solitário protagonista tripartido.
Cantando juntos, Chico, Edu e Zizi Possi dão cabo disso com brilho quando cada um canta estrofes diferentes, mas com os versos entrelaçados na estrofe do outro. É o momento mais audacioso do CD, tanto em letra como em música.
De resto, não há muito o resto. Duas faixas instrumentais de Edu (a tristonha "Quase Memória" e a conturbada "A Fábrica") perpetuam o possível lapso de Chico na conclusão das letras e ajudam a preencher o espaço útil no disco laser.
Chico e Edu cantam "Cantiga de Acordar" juntos e mais duas canções cada um e não surpreendem ao não revelarem excelência de interpretação. Lenine ("Cambaio"), Gal Costa ("Veneta") e Zizi Possi ("Lábia") surpreendem mais, por também apresentarem resultados interpretativos bem longe de destacáveis.
Tudo é bem bonito, mas bem mortiço também, quem sabe por conta da malvada quebra de tensão -acerto de passo?- que acometeu o jovem "Cambaio" em tão breve período de existência.
![](images/x.gif) Cambaio Com: Chico Buarque, Edu Lobo, Gal Costa, Lenine, Zizi Possi Lançamento: BMG Quanto: R$ 25, em média
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