Folha Online Ilustrada  
Crítica
05/04/2002 - 04h23

"O Invasor": Estilhaços viram um todo multifacetado

MARIO SERGIO CONTI
da Folha de S.Paulo, no Rio

Os cenários do longa "O Invasor" são o canteiro de obras, a academia bem aparelhada de ginástica, o botequim de periferia brava, a piscina de casa de ricão, o escritório de empresa séria, a danceteria movida a drogas, a avenida mal iluminada, o prostíbulo perigoso e o apartamento de classe média.

Nesses ambientes se desenrola uma história pontilhada por problemas explosivos da realidade nacional: corrupção, drogas, competição empresarial, desníveis de renda abissais, dissolução de laços familiares e a impossibilidade de ascensão social. Cada ambiente que aparece na tela explica os personagens. Os muitos temas são apenas esboçados, e a narrativa segue adiante, acelerada. Os dados e estilhaços se acumulam e formam um todo multifacetado.

Com "O Invasor", São Paulo ganha uma existência cinematográfica à altura de sua complexidade protéica. Alguns dos incontáveis mundos paulistanos, que convivem segregadamente e só se interpenetram sob o signo da brutalidade e do medo, são recriados com brio pelo diretor Beto Brant.

O filme conta a história de dois amigos, donos de uma empreiteira, que contratam um bandido para assassinar o terceiro sócio, que se recusa a se corromper para vencer uma concorrência pública e obter uma obra.

O mais atilado da dupla, Giba (Alexandre Borges), tem um pé na bandidagem: é dono de um prostíbulo e tem costas quentes na polícia, ainda que seja bom pai e marido. O mais retraído, Ivan (Marco Ricca), cujo pai faliu e o casamento está no fim, aceita contratar o matador, mas dúvidas e culpa o deixam fora de prumo.

O matador é Anísio (Paulo Miklos), o homem sem passado, doutorado em malandragem, que invade o mundo de Giba e Ivan. Ele se autonomeia chefe de segurança da empreiteira. Passa a extorquir os dois empresários. Seduz Marina (Mariana Ximenes), também ela filha de uma próspera família paulistana.

O roteiro de Beto Brant, Marcos Ciasca e Marçal Aquino (baseado numa novela deste último) tem a eficácia de uma narrativa hollywoodiana. A ação não pára. A trama é jogada para a frente e prende o espectador.

Nem por isso "O Invasor" tem a carpintaria artificial dos filmes nacionais que tentam emular procedimentos dramáticos do cinema americano (o exemplo mais recente é "Bellini e a Esfinge").

O roteiro está subordinado a uma idéia geral, de longa tradição na arte brasileira: a da tensão entre centro e periferia, captada no coração do subdesenvolvimento. Essa tensão, no filme, pende para a investigação do aspecto cada vez mais visível da contemporaneidade nacional, o da extralegalidade do capitalismo.

É por isso que o filme não tem heróis ou vilões, normais ou anormais, maniqueísmos ou soluções redentoras. O invasor do título, o assassino Anísio, entra a convite da elite num meio social que já foi tomado por dentro pela ilegalidade. Ele catalisa o que existe fragmentariamente.

Se Anísio leva Marina para cheirar coca numa pirambeira da periferia, ela retruca conduzindo-o a uma boate para tomar ecstasy, dançar e fazer sexo a três no banheiro. A garota rica e liberada dos Jardins e o matador do bairro onde o Estado inexiste têm muito em comum. Compartilham o senso de urgência e perigo cujo conteúdo é o vale-tudo social.

Brant revela maturidade como diretor. Ele aprendeu com os desacertos de seus filmes anteriores e exorcizou o esquematismo. "O Invasor" adere à vivência de seus personagens e aos ambientes em que trafegam. As cenas com drogas, por exemplo, tem um quê alucinatório que beira a apologia. O crime é corriqueiro.

Brant exagera na romantização do marginal. Mas, novamente, ele não está só: se filia à vertente artística que gerou, nos anos 60, a exaltação do bandido Cara de Cavalo pelo artista plástico Hélio Oiticica e, até, o Antonio das Mortes, de Glauber Rocha. Só que desta vez sem alegorias ou possibilidade de redenção política ou mística.

Talvez a adesão de Brant a esquemas de filmes de ação americanos, como a rapidez da trama, retire espaço para reflexão e explicitação de nuanças psicológicas. Mas pode ser que o tema seja esse mesmo: a velocidade do salve-se-quem-puder brasileiro impede o pensamento e exige tratamento artístico de choque para estabelecer comunicação com o público.

Sua estratégia não é a da paródia ou a do comentário irônico. É a de se jogar inteiro no filme, de acreditar cegamente no que está mostrando. Brant é um realista puro, com pleno domínio do material com o qual trabalha.

Ele conseguiu uma notável unidade em "O Invasor": cenários e personagens são críveis, as interpretações estão acima da média do cinema nacional e a trilha pontua a eletricidade do filme.

Paulo Miklos e Mariana Ximenes, que têm os papéis mais difíceis, se saem bem da empreitada (se bem que seja difícil imaginá-los em outros filmes), e o rapper Sabotage rouba a cena numa ponta. Magro, desengonçado e cantando sem acompanhamento musical, ele é simultaneamente engraçado e atemorizante.

Por fim, além do diretor Beto Brant, há dois talentos formidáveis em "O Invasor": o diretor de fotografia Toca Seabra e o ator Alexandre Borges.
A São Paulo inventada por Seabra é chocante. De dia, a luz saturada é de uma luminosidade quase prateada. À noite, a desolação dos arrabaldes e a força feérica dos bares e boates são infernais. A fotografia tem força dramática, ressalta a impossibilidade de conciliação numa cidade hostil.

A feiúra espectral da São Paulo em "O Invasor" lembra a Cidade do México de "Amores Brutos", de Alejandro González Iñarritu. Em ambos há uma recusa tenaz à estilização, à produção de imagens edulcoradas.

O empreiteiro Giba poderia facilmente virar a caricatura de um corrupto. Alexandre Borges lhe dá uma dimensão bem próxima do espectador. Sem que o roteiro forneça qualquer informação, apenas pelo andar e pelos gestos, pelo seu olhar apreensivo, o ator sugere quem Giba foi e é: o estudante de engenharia mais extrovertido e agressivo da turma, o colega de trabalho com a sensibilidade de uma porta, o empreiteiro com a disposição de um trator, o pai e marido amoroso que é dono de um bordel. Um tipo bem paulista. O verdadeiro invasor.



 Serviço

O Invasor
Direção: Beto Brant
Produção: Brasil, 2001

Com: Alexandre Borges, Paulo Miklos
Quando: a partir de hoje no Belas Artes, Espaço Unibanco, Sala UOL e circuito


   
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