11/10/2002
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15h00
"A Fome", clássico de Rodolfo Teófilo, disseca cadáveres da seca
SÉRGIO RIPARDO da Folha Online
Há gênios esquecidos da literatura regional brasileira que só agora _felizmente_ começam a "renascer" do baú mofado das editoras.
Um exemplo é Rodolfo Teófilo [1853-1932], autor de "A Fome", livro de 1890 que abriu a safra de obras clássicas sobre a seca no Nordeste.
Esta semana, o livro foi relançado na bienal de Fortaleza, que acaba neste domingo. A publicação foi reeditada pelo jornalista Lira Neto, autor de uma biografia sobre o escritor.
Nascido em Salvador (BA), Teófilo viveu boa parte de sua vida no Ceará, onde experimentou "na veia" o drama da estiagem. Escreveu 28 obras.
Farmacêutico, Teófilo era pichado em sua época como o escritor do mal-estar, da escatologia, da morbidez e do mau gosto.
Fascinado pelas descobertas da ciência no final do século 19, ele tinha uma queda pelas descrições nuas e cruas da realidade sertaneja na grande seca de 1877, quando muitos pobres morreram à mingua, como bichos, sem comida, água e apoio do governo.
Para o leitor, o estilo naturalista de "A Fome" se traduz em fortes e constantes socos no estômago.
Há cenas de arrepiar: desesperado pela fome, um homem se mata, e suas vísceras são devoradas por um cão.
Outra: deitada em uma rede, uma criança abandonada tem o corpo coberto por morcegos que lhe sugam a vida até a última gota de sangue.
Mais uma: uma mulher morre ao dar à luz. Ainda ligado pelo cordão umbilical, o bebê suga os peitos murchos da mãe, em decomposição.
A pior: enlouquecido pela inanição, um homem mata o próprio filho para comer o cadáver da criança.
"Rodolfo Teófilo não usava panos mornos ou luvas de pelica", alerta Lira Neto na introdução de "A Fome".
A leitura do livro exige quase uma constante consulta ao dicionário. As minúcias de Teófilo sobre as reações orgânicas e as mazelas dos seus flagelados esquálidos são cheias de expressões médicas.
Na vida real, a fama do escritor era de um homem pessimista. No entanto, integrou da campanha contra a abolição dos escravos no Estado e participou da campanha pela vacinação contra a varíola, doença que matou mil pessoas em Fortaleza em um único dia (10 de dezembro de 1878).
"A velhice irá acentuar sua sisudez, de um homem que nunca ria. Em seus últimos escritos, revela-se um homem amargurado e incompreendido. Fustigado pela crítica, difamado pelos adversários políticos, esquecido pelos novos leitores", cita Lira.
A reedição de "A Fome" é uma oportunidade às novas gerações de leitores de rever a história de Rodolfo Teófilo, que virou nome de bairro de Fortaleza, mas se conta nos dedos o número de estudantes que leram sua obra.
A Fome Autor:Rodolfo Teófilo Editora: Edições Demócrito Rocha [0/xx/85/255-6256] Quanto: R$ 25
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