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Crítica
25/10/2002 - 02h50

Diretor John Woo faz o mais profundo de seus filmes americanos

INÁCIO ARAUJO
Crítico da Folha


"Códigos de Guerra" se define nas imagens de abertura. Primeiro vê-se um rio. Depois, desse rio surge uma borboleta que levanta vôo. Em seguida, o rio lentamente se tolda de sangue. Por fim, um soldado entra na água sangrenta e dispara sua metralhadora.

Estamos na Segunda Guerra. A última "guerra justa". Existe uma nação, os EUA, tentando ganhar terreno na Ásia. Para evitar que os japoneses, seus inimigos, continuem decifrando os códigos, o Exército apela a um grupo de índios navajos, que se responsabilizarão pelas mensagens cifradas, usando para isso uma língua desconhecida pelo inimigo.

Nicolas Cage é o sargento que comanda um grupo de soldados americanos, mais dois índios navajos. Daí se deduz que "navajos" são uma coisa, e "americanos", outra. Isto é, dentro dos EUA existem nações "estrangeiras", indígenas, vencidas em guerras passadas e nunca integradas de fato.

À parte os navajos, o comando que Cage lidera é integralmente composto de brancos. Não há aqui o já tradicional "bom crioulo" com que, nos últimos anos, o cinema americano tenta resgatar décadas de racismo. Mas também os brancos não chegam a compor uma maioria una. Existe o italiano, o grego etc. Existe até mesmo o descendente de conquistadores do Oeste, que não suporta índios.

Bem ou mal, esses brancos se entendem. Os navajos, no entanto, representam a própria alteridade. Sua simples presença rompe a homogeneidade branca.

Em outras, eles se parecem com os japoneses a ponto de, em dado momento, um deles, Ben Yazhee, usar um uniforme japonês como disfarce. Caberá a Yazhee protagonizar aqui a cena clássica dos filmes de John Woo: dois homens se encontram frente a frente, armados, prestes a se matar. Contudo algo os detém, como se matar o outro fosse matar a si mesmo.

Woo explora melhor do que ninguém a ambiguidade da formação dos EUA, país de imigrantes. Ninguém nasce americano, já se disse: torna-se. Yazhee e seu amigo Charlie Whitehorse estão dispostos a isso. Mas, se são os inimigos de ontem e agora (anos 40) deixaram de sê-lo, não é possível imaginar que daqui a 50 anos os japoneses serão amigos e existirá outro povo a ser conquistado?

Talvez essas idéias, que passam pela cabeça de um soldado, sejam o ponto fraco do filme, na medida em que explicitam, com palavras, aquilo que as imagens de Woo fazem ver com toda a força: nenhuma guerra é justa, nem mesmo a Segunda. Fraqueza momentânea, descartável, pois o que este filme nos faz sentir na pele é a guerra como carnificina hedionda.

John Woo faz aqui um anti-"Soldado Ryan" e se mostra discípulo de Samuel Fuller, para quem o único heroísmo, na guerra, é sobreviver. Raciocínio que Woo parece completar com um "nem isso". Raciocínio, no mais, que parece jogar na cara dos senhores da guerra americanos (e dos americanos belicistas em geral), no momento mesmo em que eles se preparam com cuidado para mais uma empreitada de conquista.

Com "Códigos de Guerra", Woo produz o mais profundo de seus filmes americanos e uma das reflexões mais provocantes sobre e contra a guerra, já que, simultaneamente, ataca a matança e se indaga sobre a identidade do povo americano e o persistente fantasma da alteridade.

 Serviço

Códigos de Guerra
Direção: John Woo
Produção: EUA, 2002
Com: Nicolas Cage, Christian Slater, Adam Beach
Quando: a partir de hoje nos cines Central Plaza, Continental, Interlagos e circuito


   
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