São Paulo, sexta-feira, 20 de setembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Receita de um 'chef' perfeccionista

WILLIAM ECHIKSON
DO "WORLD MEDIA"

Quando Bernard Loiseau comprou La Côte d'Or, estalagem de beira de estrada nas montanhas da Borgonha (França), em 1975, longe dos roteiros turísticos habituais, seus amigos acharam que estava louco. Quem viajaria horas apenas para fazer uma refeição?
Mas Loiseau não desistiu. Gastou US$ 3 milhões para reformar e reequipar seu restaurante. Visitou adegas por toda a Borgonha, em busca dos melhores vinhos. Procurou os melhores queijeiros da região e os melhores plantadores de legumes. Só se contentava com os alimentos frescos e saborosos.
Loiseau era perfeccionista. Para ele, não bastavam tomates maduros, suculentos -eles precisavam "jorrar sangue". Depois de 15 anos de trabalho árduo, o renomado guia "Michelin" o recompensou com o prêmio gastronômico máximo: uma menção de três estrelas.
Hoje, Loiseau é um dos apenas 20 "chefs" no mundo a ostentar essa distinção. Para chegar ao lugar que hoje ocupa, Loiseau precisava de um manifesto e um slogan que definissem sua cozinha pós-moderna. Ele refletiu muito e decidiu que seu slogan seria a "cuisine à l'eau" -a cozinha d'água.
Procurando fortalecer o sabor de seus pratos e seguir o espírito de uma era obcecada com o colesterol, baniu quase completamente de sua cozinha a manteiga, o creme de leite e as gemas, elementos da cozinha tipicamente francesa.
Para os amantes da cozinha francesa clássica, faltam sabor e substância à "cozinha d'água" minimalista de Loiseau. Críticos como Patricia Wells a menosprezam, dizendo que é uma "cozinha de dadinhos" -muitas coisinhas sem graça picadas em pedacinhos pequenos.
Loiseau faz a seguinte descrição de sua "fricassée de poulet fermier": "Tudo começa pela escolha do frango. Só uso os da região francesa de Bresse, situada logo ao sul do meu restaurante. Os frangos de Bresse são os melhores do mundo. São criados em liberdade e têm um sabor firme, acentuado".
"Sirvo frango de Bresse recheado com alho porró, cenouras e fígados de frango, com algumas fatias de trufas pretas colocadas na pele. A ave é cozida ao vapor de uma combinação de caldo de galinha, caldo de carne, vinho do Porto e conhaque. Ela vem à mesa numa caçarola fumegante. Como um ator no palco, o garçom levanta a tampa para revelar a ave."
Prossegue Loiseau: "Para este prato eu decidi experimentar uma receita européia, para testar a aceitação de minhas idéias em outros países. Em toda parte na Europa os 'chefs' andam misturando sal com açúcar. Na Itália e na Inglaterra, os 'chefs' tiram o ácido do vinagre e o açúcar dos figos. Assim, na minha 'fricassée' de frango, também casei o vinagre com figos".
Esse frango com figos remete ao "couscous e tagine" marroquino, feito com frutas secas. "Mas, enquanto os marroquinos misturam tudo, eu prefiro separar os ingredientes, intensificando seus sabores. Essa receita também remete a uma receita francesa clássica, a do frango ao vinagre. Enquanto nela o frango era tradicionalmente sufocado em alho, tomates, vinho tinto e vinagre, eu separei o vinagre, os tomates e o vinho, reduzi o molho separadamente e o apliquei à última hora", explica o "chef".
"Minha cozinha depende dos molhos fortes", diz. O vinho tinto deveria acrescentar sabor às carnes ou peixes, mas frequentemente acaba por esconder ou distorcer o sabor do ingrediente. A solução que Loiseau adotou em seu restaurante é reduzir dez garrafas de vinho a uma só -e depois engrossar o molho com purê de cenouras em lugar do creme de leite.
"É por isso que nessa receita eu peço que a pessoa cozinhe cada ingrediente separadamente e depois junte todos. Desse modo o frango não terá gosto exagerado de vinagre ou figos."
Para tornar esse frango mais agradável ao paladar de europeus de diferentes países, o "chef" abrandou tudo com figos. Eles devem assegurar um sabor mais internacional, neutro. "O pequeno truque que uso para fortalecer o sabor tem a ver com o vinagre xerez. O xerez é o vinagre mais forte que existe. Deve ser usado como o sal-gema nos legumes: acrescentado à última hora."

Tradução de Clara Allain

Texto Anterior: O desejo vertiginoso pela carne
Próximo Texto: FRICASSÊ DE FRANGO CAIPIRA AO VINAGRETE
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.