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A transcrição da maioria dos 3 bilhões de letras do código genético inaugura a era da medicina como ciência quase exata, mas novos tratamentos para velhas doenças vão exigir décadas de pesquisa


É só o começo



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Imagem de um cromossomo humano vista em microscópio eletrônico

DA REDAÇÃO

A finalização de um rascunho com mais de 90% dos 3 bilhões de letras do código genético humano, anunciada pela empresa Celera e pelo consórcio público Projeto Genoma Humano, promete a era da biomedicina de precisão. Com esse conhecimento, cientistas podem, em teoria, desvendar os mecanismos moleculares de todas as aflições do corpo. Antes é preciso entender como o DNA é afetado pelas informações do ambiente em que interagem os organismos, do útero à sociedade.
É tarefa para décadas, talvez um século. Pouquíssimos genes —as palavras de DNA contidas no genoma— foram já identificados. Mais raros ainda são aqueles cujas mutações estão descritas com detalhe, ou como essas falhas de ortografia genética contribuem para o caos bioquímico que se acredita estar por trás de doenças como o câncer. São provavelmente mais de 40 mil —talvez mais de 100 mil— os genes usados pelo corpo humano para produzir outro tanto de proteínas, torrente de sinais que normalmente resulta na sinfonia a que se dá o nome de saúde.
Um dos genes mais conhecidos é o BRCA1. São essas 5.711 letras A, T, C e G acima, cada uma representando uma substância enfileirada na longa molécula em forma de escada torcida do DNA. Mais de 500 tipos de mutações já foram descobertos no BRCA1, cujos defeitos estão associados ao câncer de mama e ao de ovário em 60% dos casos hereditários. Nem por isso a ciência foi capaz de produzir uma cura, embora tenha contribuído enormemente para refinar diagnósticos. Na maioria dos casos, informação genética ainda equivale a uma condenação mais precoce.
Entre os efeitos negativos previsíveis dessa revolução nos diagnósticos está um crescimento no número de abortos seletivos, para impedir o nascimento de crianças com predisposição —nunca 100% segura— para certa doença. Invasão de privacidade por seguradoras e empregadores e propriedade privada de genes humanos compõem outra ordem complexa de preocupações. Mas se abre também a perspectiva de projetar remédios em computador, sob medida para a coleção peculiar de genes do paciente. A vida não será mais a mesma depois do genoma.


Biólogos ainda debatem quais são as relações entre genes e ambiente