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Conhecimento do código genético pode trazer mais angústia do que alívio

Diagnósticos mais precisos e ansiedade virão antes de remédios e tratamentos


GABRIELA SCHEINBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem acredita em curas tecnologicamente milagrosas como produto do sequenciamento do genoma vai ter de esperar ainda por muito tempo. Os mais otimistas _como Andrew Simpson, do projeto Genoma Câncer, do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer_ prevêem que os primeiros resultados práticos vão demorar ao menos cinco anos.
Mais decepção: primeiro virão não os tratamentos ou drogas sob medida, mas sim os diagnósticos e o aconselhamento genético. Muito mais refinados e precisos, é verdade, mas nada que garanta uma cura rápida.
Uma vez que um gene é descoberto e associado a um tipo de tumor, cientistas podem usá-lo para diagnóstico. Cada gene é responsável por codificar uma proteína. Se essa proteína estiver em excesso, ela pode ser usada como um indicador da doença.
“O diagnóstico é o que vai se aperfeiçoar mais rapidamente, como previsão precoce de câncer ou de doença cardíaca, antes de termos melhores tratamentos”, disse à Folha Walter Gilbert, Nobel de Química de 1980 pela invenção de métodos de sequenciamento de DNA.
“O público em geral não entende como é lento o desenvolvimento de tratamentos, a criação industrial de um remédio. A escala de tempo para ter uma nova terapia é da ordem de 10 a 20 anos, enquanto para um novo diagnóstico é de 3 anos.”
Simpson, do Ludwig, diz acreditar que, uma vez identificadas as proteínas de cada tumor, será possível avaliar sua presença em amostras de urina, sangue e outros fluidos do corpo. “Podemos identificar as doenças antes mesmo de elas aparecerem”, diz.
Um grande avanço, sem dúvida, mas ainda assim não muito mais do que uma condenação precoce. Considere o exemplo do gene BRCA1 (abreviação de “breast cancer”, câncer de mama em inglês), soletrado na capa deste caderno. Uma superativação desse gene está associada ao câncer de mama e de ovário.
Descoberto em 1994, até hoje não há tratamento baseado nesse gene. Ele é usado somente para diagnóstico. Nos EUA, um exame BRCA1 positivo pode resultar em uma cirurgia para retirada da mama (mastectomia radical), mesmo se a pessoa for sadia.
No Brasil, embora o diagnóstico seja realizado em alguns centros, não há uma indicação difundida de cirurgia. “Se o teste for positivo, o acompanhamento da paciente é diferente”, informa Sérgio Danilo Pena, geneticista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais. “O paciente precisa adaptar o seu estilo de vida para evitar manifestações da doença.”

Coréia de Huntington
Outro exemplo é o da coréia de Huntington, a primeira doença genética dominante descrita (e muito rara, afetando 1 em 10.000 pessoas). Basta uma cópia do gene para desenvolvê-la. Ataca o cérebro e causa movimentos repetidos e descontrolados, semelhantes a uma dança (“coréia” tem a mesma raiz de “coreografia”).
A doença foi descrita em 1872 pelo médico americano George Huntington. Só em 1993 o gene foi localizado. Segundo Matt Ridley, autor do recém-lançado livro “Genoma” (Genome, Harper Collins, 344 págs., US$ 26,00), mais de cem pesquisadores vêm publicando trabalhos, desde então, sobre o gene _um entre dezenas de milhares no genoma. E nem um único caso de Huntington foi curado até hoje.
“Nada acontece da noite para o dia”, afirma Sérgio Pena. “Os benefícios são colhidos progressivamente.” Simpson concorda: “O diagnóstico precoce vem sempre antes da cura”.
O diagnóstico com base na identificação da proteína ainda está em fase inicial. “Os genes e proteínas já descobertos vêm do conhecimento de menos de 3% do genoma”, afirma Simpson. Embora existam cerca de 7.000 doenças genéticas conhecidas e descritas, apenas 350 já tiveram o gene ou genes sequenciados.
“A precisão do diagnóstico depende do gene. Se o defeito estiver ligado ao cromossomo X, por exemplo, é possível excluir a doença em mulheres”, explica Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP.
De todo modo, permanece a questão: o que fazer quando um diagnóstico é positivo e a doença não tem cura? “Indicamos o aconselhamento genético somente quando o exame traz benefícios”, diz Zatz.

Terapia genética
O futuro mais distante do tratamento de doenças genéticas pertence à geneterapia, ou terapia genética. O alvo dessa terapia são genes defeituosos, que, por meio de alguma mutação, não funcionam corretamente, desencadeando doenças diversas. A geneterapia visa inserir no corpo um gene sadio para substituir um que esteja “silenciado”.
“A terapia genética é uma promessa que ainda vai vingar, mas não de imediato”, diz Zatz.
O problema dessa terapia, explica a geneticista, é que o gene sadio precisa ser inserido em todas as células do corpo _e sem efeitos colaterais. Embora versões experimentais tenham obtido sucesso com uns poucos pacientes, pelo menos dois casos de morte já foram relatados em participantes desses estudos (leia texto ao lado).
Outra forma de tratar doenças de cunho genético é por meio de medicamentos criados com base no conhecimento da sequência dos genes. Uma vez descobertos aqueles mais requisitados pelas células envolvidas na doença, é possível, em teoria, achar a proteína correspondente e descobrir uma molécula que bloqueie a sua ação.
Essa molécula será usada como base para medicamentos específicos, que atuem somente no local (um tumor, por exemplo), evitando efeitos adversos. “Sabemos como matar o tumor. Não sabemos como fazer isso sem afetar o resto do corpo”, diz Simpson.
Hoje existem poucos remédios criados por essa via. Um deles é a herceptina, droga indicada para pacientes que têm um tipo de câncer de mama associado à proteína HER-2, presente em cerca de 25% das mulheres. A droga, recomendada para quem tem câncer de mama avançado, aumenta a sobrevida da paciente.
Para os que hoje já são portadores de doenças genéticas, o término do Projeto Genoma Humano não deve trazer benefícios imediatos. Nesses casos, e dependendo da doença genética de que sofrem, não há muita escolha além de tentar seguir o exemplo de Nicolò Paganini (1782-1840), famoso compositor e violinista italiano. Ele tinha a síndrome de Ehlers-Danlos, cujos sintomas incluem a hiperextensão dos dedos das mãos _para alguns cientistas, provável ingrediente de seu virtuosismo.


Principais doenças associadas a cada cromossomo