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Ficção
explora o lado negativo
No cinema
e na literatura, os avanços da engenharia genética remetem
ao mito de Frankenstein, que representa o lado obscuro da ciência
Jesus
De Paula Assis
ESPECIAL PARA A FOLHA
Divulgação |
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O
"in-valid" encenado por Ethan Hawke faz exercícios
com os "valids" no filme "Gattaca", de 1997 |
A
engenharia genética promete um futuro com menos doenças,
alimentos abundantes (sem o risco da obesidade), menos poluição
ambiental, mais longevidade, qualidade de vida e muito mais.
O preço é relativamente baixo: aguardar que o Projeto Genoma
Humano conclua sua fase inicial de sequenciamento de DNA e
financiar com mais alguns bilhões de dólares o que se poderia
chamar de a "parte 2", que é descobrir exatamente como
os genes sequenciados interagem para gerar fenótipos.
Isto é, como eles são afetados pelo ambiente interno e externo
e, no final, produzem indivíduos com características particulares.
Perto dos gastos em pesquisa militar e dos custos com experiências
para detectar novas partículas elementares, é pouco e
o que se oferece, quase o paraíso. Então por que o temor
diante de notícias sobre transgênicos, sobre clonagem de
ovelhas, sobre terapias genéticas? E por que a ficção,
quando trata de tais temas, destaca sempre o lado negativo?
Tecnologias vêm e vão, mas a cultura que as produz permanece,
se não a mesma, quase constante. Quando atônitos leitores
de "Frankenstein", escrito pela jovem Mary Shelley (1797-1851)
em 1818, discutiam os malefícios trazidos pela revelação
dos detalhes da criação artificial de vida, apenas reproduziam,
no patamar tecnológico, temores mais antigos e enraizados sobre
o perigo do conhecimento. Não é outro o assunto da maçã
e da consequente queda do homem.
É com a revolução científica, no século
17, que se estabelece a idéia de que conhecimento é o mesmo
que desenvolvimento das ciências naturais, à época
chamadas coletivamente de "filosofia natural". E é só
recentemente, em fins do século 19, que se estabelece definitivamente
a equação: conhecimento = ciência + tecnologia.
Assim, as antigas histórias a respeito dos perigos embutidos na
busca do conhecimento ganham, nos últimos dois séculos,
duas características: em primeiro plano fica a pesquisa científica
e tecnológica, e o "locus" dos acontecimentos passa ao
futuro. O resultado é, em parte, a moderna ficção
científica, que Raul Fiker já chamou de "épica
da época" (em seu livro de 1985, "Ficção
Científica -Ficção, Ciência ou Épica
da Época?", L&PM Editores).
Literatura
Embora sem ter esse nome, a clonagem de animais possui longa tradição
em ficção cientifica, tendo já suas conseqüências
exploradas em "Os Primeiros Homens na Lua", que H.G. Wells (1866-1946)
publicou em 1901. Não se tratava, então, de produção
em série de seres humanos, mas de coisas parecidas com insetos,
os selenitas.
A imagem é tão forte que Aldous Huxley (1894-1963) a reproduz
quase passo a passo quando descreve a produção em série
de seres humanos, em seu clássico "Admirável Mundo
Novo", de 1932. Huxley, então, respondia em forma de ficção
a um livreto do influente biólogo J.B.S. Haldane, que previa os
benefícios da reprodução seletiva de humanos.
Enfim, tanto Wells que forjou a imagem que o século 20 tem
do futuro: perigoso e uniforme como Huxley viam na manipulação
biológica e na produção de indivíduos em série
o perigo da uniformização. De fato, diversidade quer dizer
apenas isso: tudo bem se doenças forem eliminadas (pois qual é
a graça de haver diversidade nesse setor?), mas é preciso
garantir mecanismos pelos quais a humanidade possa sempre ter à
disposição indivíduos únicos e imprevisíveis.
Mas essa ficção didática e meio militante (Wells
queria mesmo reformar a humanidade via literatura) não poderia
deixar de criar ecos na forma de entretenimento mais popular do século:
o cinema. E nele estão exemplos que variam da comédia ao
terror do Holocausto.
Divulgação
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A
replicante Pris e o engenheiro genético J.F.Sebastian, no cult
"Blade Runner", de 1982 |
Cinema
"Parem ou liquido seu líder", grita para um grupo de
policiais o terrorista Woody Allen, em "O Dorminhoco", de 1973.
Só que a arma não está apontada para um homem ou
uma mulher, mas para um nariz, única parte do corpo do tal líder
a escapar de um acidente e que serviria, depois de obscuras manipulações
genéticas, como matriz de uma nova versão. Mesmo em tom
de comédia maluca, o resultado é o esperado: os subversivos
vencem e o líder é destruído (o nariz é esmagado
por um rolo compressor). A humanidade tem de novo chance de se renovar.
Mais para o lado do horror, "Meninos do Brasil", de 1978, explora
a dificuldade de formar um novo Hitler. Vários meninos são
clones do ditador, mas como fazer com que essas réplicas se tornem
novos "führers"? É preciso, além da manipulação
de genes, garantir uma educação e um ambiente familiar similares
aos que teve o jovem Adolf.
Apesar de tudo, o filme é um exercício sobre a relativa
facilidade da clonagem genética, se comparada à dificuldade
de produzir ambientes que garantam o desenvolvimento de indivíduos
com disposições intelectuais parecidas. Reproduzir genes
é, no fim das contas, mais fácil que reproduzir pessoas.
A lista de filmes e de livros pode se estender muito, chegando ao recente
"Gattaca", de 1997, em que a humanidade é dividida entre
"valids" e "in-valids" (entre os que são resultado
de reprodução controlada e os infelizes que a natureza gera
espontaneamente). O resultado é sempre o mesmo: no caso, um "in-valid"
vence as provas e supera todos os seus colegas "engenheirados".
Mas os tempos estão mudando e as constantes referências à
realidade virtual e aos benefícios da informática obrigam
a uma constatação: na ficção, a clonagem genética
corre o risco de ficar para trás, superada pela possibilidade de
criar novos corpos por nanotecnologia e transferir para eles as mentes
cansadas dos que envelhecem.
Nesse contexto, um novo Hitler seria feito de um corpo sintético
(mas biológico) e teria a mente do próprio, simplesmente
transferida por um cabo, que ligaria o cérebro velho ao novo. Esse
é, provavelmente, o futuro (da ficção e, talvez,
real): sai "clonagem", entra "biodownload".
Na Rede
Três
indicações para os aficionados de ficção científica
e para quem acredita que a informática vai deixar a genética
para trás (pelo menos na ficção):
http://www.scifi.com/sfw
É o site do Sci-Fi Channel, que passa no Brasil via cabo.
Atenção especial para o link Science Fiction Weekly.
Mecanismo de busca por palavras-chave
http://sflovers.rutgers.edu
Site na Rutgers University (EUA). Milhares de links, desde arte FC na
Inglaterra até fanzines de mangá no Japão
http://
www.kurzweiltech.com
Site da empresa do guru tecno Ray Kurzweill, que afirma que o download
mental é coisa para daqui a não mais de 20 anos. A sério,
não é ficção
Biólogos ainda debatem quais são as relações entre genes e ambientes
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